O bom jornalismo sob risco de morte

Um dos mais tradicionais jornais da França pediu água. O Le Monde anunciou, em texto na primeira página, que está à venda. O artigo foi escrito pelo diretor Eric Fottorino, no dia 3 de junho. A publicação está endividada e, por isso, terá que vender parte do controle acionário. O prazo para as propostas de compra termina hoje.

Três grupos aparecem como possíveis sócios. O El País, principal jornal espanhol, o grupo que controla a revista Le Nouveau Observateur e empresas do mercado financeiro podem adquirir parte do Le Monde. Há cinco anos, o jornal francês vendeu 17% das ações para o grupo Lagardère, que não pretende mais colocar dinheiro no buraco financeiro da publicação.

O Le Monde é uma experiência singular no jornalismo europeu. O jornal é administrado pela associação dos funcionários há 59 anos. Isso significa, em termos práticos, que os jornalistas controlavam os rumos editoriais do veículo, o que incluía a definição pela linha mais liberal e a escolha dos colegas que comandariam a redação.

Com a venda, os jornalistas deverão perder o controle sobre as decisões editoriais. Ou seja: o jornalismo será mais uma vez submetido ao negócio. O diretor Eric Fottorino afirmou, no artigo, que o novo sócio não vai interferir no jornalismo. É condição para que o negócio seja fechado.

É difícil acreditar nesta hipótese. Afinal, quem se transformar em sócio majoritário vai desejar controlar o próprio investimento. Neste sentido, tudo caminha para a interferência administrativa e comercial na prática jornalística.

O Le Monde, pela forma de administração cooperativa, vamos dizer assim, sempre primou pela qualidade e pela preocupação com o jornalismo interpretativo, de análise mais profunda dos fatos. O leitor do jornal francês se acostumou com esta postura mais crítica e reflexiva. Tanto que muitas vezes reagiu diante dos escorregões da publicação.

O jornalista Luiz Nascimento passou uma temporada no jornal, há seis anos. Ele contou, por exemplo, que a equipe de direção debateu por quatro horas se publicava ou não a foto de Saddam Hussein, na ocasião em que ele foi encontrado escondido em um buraco. O jornal optou pela publicação e recebeu centenas de e-mails críticos por parte dos leitores, que julgaram sensacionalista a fotografia. O jornal fez mea culpa ao reconhecer que a foto pouco acrescentava ao contexto da reportagem. Outros tempos!

O Le Monde possui, atualmente, a tiragem diária de 320 mil exemplares. O grupo envolve também o Le Monde Diplomatique, gráfica, e as revistas La Vie, Teleràma e Courrier Internacional.

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