Ser ou não ser: eis o Alpino

Uma das propagandas marcantes dos anos 80 falava de um shampoo anti-caspa, que pretendia atrair o consumidor pela estética, e não como saída para um problema capilar. Denorex tinha como slogan: “parece, mas não é”. Vendeu como água, no chavão do comércio.

Esta semana, a Nestlé me fez lembrar da brincadeira com a identidade do shampoo. A empresa alimentícia se envolveu em uma saia justa por causa de um de seus produtos. O assunto colocou fogo no debate, a partir da Internet, sobre os limites no relacionamento entre marcas e consumidores.

A Nestlé colocou no mercado há três meses a bebida Alpino Fast, mercadoria voltada para o público jovem. O produto leva o nome de um dos chocolates mais populares da empresa, além da cor e do design da embalagem serem demasiado semelhantes à embalagem do bombom.

O problema é que, na garrafinha, aparece a inscrição: não contém Alpino. Um consumidor divulgou a informação em seu blog e o caso ganhou os veículos de comunicação.

O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, ligado ao Ministério da Justiça, o Ministério Público do Rio de Janeiro e o MP de São Paulo pediram informações à empresa. Segundo a Folha de S.Paulo, as multas combinadas podem chegar a R$ 11,5 milhões.

O Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária vai analisar o episódio. A Nestlé pode receber a recomendação de alterar ou até suspender as campanhas publicitárias da bebida.



Ontem, a Nestlé mudou de opinião e explicou à imprensa que o produto contém “massa de Alpino” na composição. A primeira versão da empresa falava em incompatibilidade no processo produtivo do Alpino Fast. Em qual das declarações acreditar? Em que momento a empresa mentiu? Massa de Alpino é o chocolate ou retórica corporativa?

O caso mostra que ainda é possível apostar numa evolução de comportamento por parte dos consumidores. E que as empresas precisam perceber que não é tão simples lesar seus clientes. A informação circula de maneira mais rápida, com a redução de espaço e tempo a quase zero. As redes sociais, blogs e sites multiplicaram a velocidade de troca de experiências, o que gera ressonância nas chamadas mídias tradicionais, sob controle maior das marcas anunciantes.

O processo de evolução no comportamento do consumidor é recente, com início nos anos 90. O Código de Defesa do Consumidor é a fronteira entre a bagunça e a proteção aos cidadãos. As queixas cresceram e se diversificaram, talvez por maior atenção das pessoas, talvez pela perpetuação do desrespeito por parte das companhias.

Penso que ainda misturamos as duas estações, com prevalência do lado consumista. Consumir implica em satisfazer desejos e necessidades individuais, com pouca ou nenhuma percepção de coletividade.

O consumidor se basta! Ele é egocêntrico e somente olha em volta no momento seguinte à satisfação pessoal, na busca obsessiva por status, a conseqüência do reconhecimento do outro.

A aquisição e o uso de produtos não provocam um olhar de extensão ao próximo, e sim o pedido de aprovação, de legitimação da marca que torna o sujeito apresentável ou socialmente vivo.

Quando uma empresa lesa seus clientes, a reação pode ser coletiva como a difusão pelas redes sociais. Mas a indignação fica na retórica ou nas reações desorganizadas e individuais. Esta limitação indica que estamos longe de alcançar o patamar dos norte-americanos, logo eles que simbolizam o consumo como religião do capitalismo.

Nos Estados Unidos, em casos semelhantes, a reação dos consumidores é o boicote aos produtos até que a empresa se posicione de maneira favorável à sociedade. Quer maior punição do que virar as costas para as mercadorias?



Aqui, temos os mecanismos legais, porém seguimos amarrados no sofá da sala, onde esbravejamos para nós mesmos.

A percepção de que consumir representa uma ação cidadã ainda é frágil. As empresas, via de regra, apostam na passividade de muitos clientes, que encaram a satisfação à sociedade como mera formalidade ou como parte da tentativa de se construir uma imagem positiva. O temor não paira sobre as cabeças dos executivos de marketing.

O caso da bebida Alpino Fast é um avanço de como as redes sociais podem ir além das fofocas e exposições da vida privada. Só que falta abandonar o teclado e enfeitiçar a queixa, de modo que se transforme em reação coletiva.



Assim, uma empresa globalizada de alimentos pensaria duas vezes em divulgar duas versões em dois dias. Como se os consumidores (ou cidadãos embrionários?) vestissem sapatos de número maior e bico largo, nariz vermelho e maquiagem colorida.

A ironia desta história está na bebida, que funciona como metáfora da sociedade de consumo. É o micro-exemplo do parecer ser como objetivo único. Estamos encarcerados, infelizmente, na premissa de que cultuar a essência é coincidência, acaso ou miragem.

Comentários

Pablo Basile disse…
Marcus, infelizmente no Brasil, o conceito de direitos do consumidor ainda é algo distante e nebuloso para a maioria da população. Pior ainda quando se fala em regulamentação da publicidade ou da atuação do CONAR e afins.
Triste é constatar que casos como este são tratados como de vida ou morte e outros, muito mais sérios, não são sequer considerados ou percebidos (alguém sabe com certeza o que são aquele monte de siglas no extrato da conta bancária? Tem também o bendito seguro que é embutido nas compras a prazo, utilizando a prática ilegal da venda casada, e, finalmente, o caso da Coca-Cola, que apesar de vários relatos científicos, inclusive uma declaração do Governo boliviano, continua negando o uso de folha de coca na constituição da sua bebida, só para citar alguns exemplos).
Mas falando sério, alguém que escolhe beber uma gororoba dessas está querendo, no mínimo, ser enganado mesmo.
Grande abraço.
Unknown disse…
É. E voltamos ao efeito tostines, eles enganam pq não solicitamos maiores esclarecimentos ou o inverso? É muito recente ainda a conquista do poder falar, reclamar, exercitar a cidadania e mais recente ainda o direito do consumidor. Poucos usam os Serviços de Atendimento, e bradamos e nada resolvemos ao apenas esbravejar em casa!!! Mas é exercício, quem sabe um dia todos o façam e assim a gente possa ter uma sociedade participativa e ciente de sua importante posição na relação de consumo!!! Sem comentar a parte em que a gente identifica o produto pelo nome, aparência e etc, heresias a parte duvido que a embalagem de palhas de aço, sabão em pó e etc... fossem alteradas!!!Meu alpino é o que desmancha lentamente na boca...rs, usar seu nome apenas para associar sua preciosidade a um achocolatado é crime sim e deve ser denunciado!!! Bom domingo