O templo dos cegos

O domingo deveria ser o dia destinado à purificação da alma, ao perdão pelos pecados cometidos durante a semana. Seria o dia de vestir a melhor roupa, aparentar seriedade, conversar o mínimo e ouvir ao máximo, com olhos vidrados na pregação.

A nova religião, ópio do homem contemporâneo, vive de quebrar regras. O templo mantém as raízes medievais ao valorizar o ritual de domingo, mas o auge do clamor pelo sagrado agora é o sábado à noite. Milhares de pessoas se reúnem para compartilhar a fé, as experiências e a esperança de permanecer e ser legitimado por aquele grupo.

Ali, as chances de alcançar o paraíso – às vezes, em pílulas instantâneas – soam concretas e disponíveis a todos. Se não vier o paraíso, ninguém se sente insatisfeito com a redenção de uma mudança de vida imediata, com prazeres discretos e vistos pela comunidade como necessários.

A religião, com seus novos templos, é coerente na aplicação de sua doutrina. Não despreza ninguém. Promete falar para e com todos. Pouco importa a conta bancária (ela deve existir, mas ser omitida!), a quantidade de bens materiais ou a força espiritual. A nova igreja é um imenso guarda-chuva, que promete abrigar qualquer um, sem distinção de gênero, cor, raça, renda, preferência política e/ou sexual.

A religião – fica claro logo na entrada – exige fidelidade. Não é possível acender velas para santos ou instituições concorrentes. Santo talvez seja uma forma de falar, embora muitos objetos sejam considerados sagrados.

As imagens não apenas são permitidas, como são protegidas por vitrines para culto. Mas o que valem são os conceitos. A postura do fiel é norteada por atitudes, defendidas como práticas sistemáticas no cotidiano. Nada de exercício da fé apenas no final de semana. A utopia é conduzir, com carinho, o fiel ao templo diariamente, com uma série de atividades em prol de alguém. Ajudar ao outro é auxiliar a si mesmo e crescer com esta missão.

A nova igreja não fala em valores monetários como promessa de evolução na vida. Critica a concorrência que mal se agüenta de ansiedade até colocar dinheiro na conversa.

A nova religião tenta ser sutil. Abre o jogo, expõe suas necessidades com franqueza. O lucro é da natureza da fé, mas fica ao gosto do membro da igreja investir o que deseja para ter seus sonhos realizados.

A religião também seduz a comunidade pela ausência de líderes. O comando, por preferência, foi descentralizado para evitar que um indivíduo ganhasse os holofotes e ofuscasse a própria instituição. Vale a hierarquia, mas com o discurso de relações horizontais, sem chefes e subordinados. Os objetivos se sobrepõem aos homens.

Os líderes têm funções diferentes, com metas semelhantes. Prevalece a proposta de conquista permanente, de perpetuação do desejo de encontro com Deus. Aliás, quem toma as decisões (e assume as responsabilidades) é Ele, ainda que seja uma saída retórica e confortável. Deus só não assume as crises, de impacto único para o fiel.

Confesso que visitei a igreja esta semana. Fui na segunda-feira, no início da tarde. Fujo como o diabo da cruz do sábado à noite. Sinto-me incomodado com as pessoas excitadas diante de cerimônias frenéticas. Muitos comentam estar perante um exorcismo coletivo ou outro tipo de ritual de entorpecimento em massa.

Na segunda-feira, perto da hora do almoço, o templo é tranqüilo, com pouco movimento. Muitos passam apressadamente, com o objetivo de receber uma palavra amiga ou o alimento espiritual. Outros não têm para onde ir e ali enxergam um pouco de conforto até a seqüência da viagem.

A nova igreja mantém as portas abertas para todos. Nas portas, todos sorriem e são acolhedores. As reclamações de maus tratos não convencem e parecem coisa armada, intriga dos opositores. Há sempre uma palavra, um objeto para cada anseio, para combater cada transtorno, para conduzir o visitante a um instante de paz e harmonia.

A contrapartida não se manifesta somente pela relação financeira. O bom atendimento é o segredo de que o fiel sempre há de voltar. A dependência de uma crença cega, sem avaliação criteriosa ou sensata.



Ao visitar o shopping center, fico com a impressão de enxergar homens e mulheres cegos diante do consumo. A cegueira que nos une de corpo, alma e bolso no templo da modernidade, caracterizado por promoções, descontos, crédito farto, novidades recicladas e o ar impregnado de felicidade artificial.

Na praça de alimentação, a arena do delírio coletivo, centenas se espremem pela palavra: o lucro. Nesta ágora do mundo atual, o Deus-mercado nos transforma em seguidores mecânicos da padronização, da falta de crítica, da busca ilusória da felicidade e da liberdade exterior.

O novo templo privatizou a vida pública. É o momento em que deixamos de ser livres e nos tornamos iguais, uniformes e estéreis de reflexão. O único, se não morreu, agoniza.

Comentários

Anônimo disse…
Cegos,surdos e mudos.
E nem Tão mudo assim.Todos as noites, a mãe e a irmã de meu marido ajoelhadas diante de inumeros santinhos, de terço em punho ,elas fazem aquela repetidas 50 ave maria e o 10 Pai nosso,elas passam várias e várias vêzes por uma frase NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO MAS LIVRAI-NOS DO MAL.
DEVE SER UM PEDIDO A ELAS DE NÃO CAIR EM TENTAÇÃO E É INTÚTIL POIS AOS 76 A VELHA SENHORA VAI FAZER O QUE?tEM A MOÇINHA DE 44, AI, ATÉ QUE AINDA TEM LENHA PRA QUEIMAR.MAS EU ESTAVA PENSANDO EM NÓS, EU E MEU MARIDO,SEPARADOS PELAS ESPERA DE UMA TRANSFERENCIA,NÃO HOUVE POR PARTE DELAS, NEM O CARINHO, APÓS ELE PERDER 10 QUILOS, DE ME LIGAR E DIZER.-thais venha ficar com o seu marido, ele sente sua falta gosta e da sua comida,NÃO É BOM QUE UM CASAL FIQUE SÓ_
Besteira, elas não sabem o que é amor.E eu não sou visita não ,quando vou na casa delas vou pra cozinha eu tomo as rédeas da situação, e nada fica de graça não.Eu to de saco cheio de religiosos, seja eles de que seita for.A unica coisa que ainda me dá um pouco de esperança, é a caridade, o amor das Casas Espíritas (Kardecistas) ali você não só encontra amor,mas o alimento necessário para o corpo para o espírito,o acolhimento gratuito eu nem sei como elas crescem tanto ,seriam os livros?Não sei, só sei que nunca dei nada e saio dali me sentindo plena de Deus ,de Jesus.Ontem numa casa em Santana Grupo Espírita Manoel Bento,uma médica fêz uma pequena palestra sobre a tristeza,as mágoas, para não fazermos tempestades em copo d"agua, não nos ofendermos, perdoar sempre, porque ela foi vítimade um câncer tido como incurável.Morrendo de medo ,covarde mesmo pelas dores que ela iria ter com certeza ela retorna ao trabalho voluntário no centro, ajudando outros, com essa doença horrivel e ela se curou ,não ha explicação ela disse, que nem fêz barganha com Deus ,ela apenas viu que sua vida encurtou ,e que precisava fazer algo pra outros e disse que tristeza produz câncer, mágoa,rancor,que a doença vem de dentro, vem de nós para fora, se manifesta, então eu vou começar a dar risada,não julgar tanto,não querer tanto,as vêzes as duas senhoras não se sentem bem com a minha presença e eu tenho de entender ,mas só toquei no assunto porque eles falam falam, mas não fazem acontecer, e tudo é imóvel é surdo e mudo.E eu só entro em templos católicos quando vasios,ha uma atmosfera de silencio que só existe ali e eu aprecio.Mas não tenho religião nem tenho de ser espírita eles estenderam as mãospara mim.