Marina Silva e os velhos vícios do partido

O cancelamento da visita da pré-candidata do PV, Marina Silva, à Baixada Santista não nos permitirá conhecer – por enquanto – como a proposta dela de “desenvolvimento sustentável” se encaixará no litoral de São Paulo. Vivemos na região uma fase de paranóia pelo progresso. Os políticos jogam suas fichas em um futuro ainda incerto dos royalties do pré-sal. Iludem a população com a fábula da galinha dos ovos de petróleo, não mais de ouro. Os exemplos pelo Brasil não ligam lucro petrolífero à justiça social e políticas públicas consistentes.

A presença de Marina é fundamental para colocar, mesmo que de maneira efêmera, o meio ambiente na agenda pública da Baixada. Os mesmos políticos amigos do óleo negro são adoradores dos espigões de tijolos e vigas de ferro. A construção civil tem ligação direta com o sonho do petróleo, mas ninguém fala (por conveniência, e não ignorância) no impacto ambiental deste crescimento desordenado.



Como Marina Silva vai estabelecer diálogo com essa gente? E o Porto de Santos, em rumo de ampliação, de costas para o meio ambiente? E as indústrias, durante muito tempo o símbolo do progresso selvagem, hoje preocupadas com a imagem de responsáveis em termos ambientais?

A senadora, com o andamento da campanha eleitoral, começou a fazer diferença na balança. O peso dela agora é mais efetivo e conseguiu provocar, pelo menos no momento, um novo olhar de parte do eleitorado. Isso talvez aumente a caixa de ressonância das palavras dela, quando vier à região no auge da corrida ao Planalto.

As pesquisas eleitorais, lembrando que faltam quatro meses e meio para o primeiro turno, apresentam algumas semelhanças. Se os números são diferentes, as tendências se repetem. Na conjuntura atual, Dilma e Serra entraram em rota de colisão pela liderança. Alternam-se na frente, mas sem fôlego para vencer no primeiro turno.

Marina Silva, por sua vez, dobrou os índices de intenção de voto. Saiu de 5% para 10%. No Vox Populli, atingiu 12%. Ela é a diferença e a namorada que os dois candidatos terão que conquistar para um casamento no segundo turno. As mesmas pesquisas apontam que Marina tem boa aceitação entre o eleitorado das grandes cidades, com maior escolaridade e renda.

No lado oposto, não há tanta rejeição, mas desconhecimento de quem ela é (ou foi) e o que pretende fazer caso seja eleita. Nada que a campanha eleitoral (o que inclui horário eleitoral gratuito) não possa corrigir ou amenizar.



A escolha do presidente da Natura, Guilherme Leal, como vice na chapa abre a porta para a classe empresarial, que contribui financeiramente para a campanha e aproxima a candidata do espectro do poder. Isso também pode sensibilizar o eleitor de classe média, conservador no voto e desconfiado da política. È o sujeito que se vê como cidadão, age como consumidor e vira as costas para a política, como se não tivesse relação com ela.

Este tipo de eleitor joga com cinismo e moralismo, pois não se enxerga como co-responsável por aqueles quem elegeu, e pode se aproximar da candidata do PV pelo ambientalismo de boutique. È claro que Marina Silva, marcada pelo idealismo em sua trajetória, poderia rejeitar este grupo, mas – para chegar ao Palácio do Planalto – não pode descartar ninguém.

O calcanhar-de-Aquiles de Marina reside neste ponto. O partido dela é a âncora da campanha. E pode levá-la para o fundo. Além de não ter fôlego para cobrir todo o país, o PV não é uma sigla homogênea. É dividido como as agremiações dos demais adversários.

A questão é que o PV, de nanico, passou a ocupar parte dos holofotes. A mudança expõe as feridas e os pés de barro da instituição.

Por um lado, o Partido Verde tem como um dos alicerces o ambientalismo histórico de carteirinha. Não falo de radicais ou eco-chatos, mas os militantes que compreenderam a necessidade de negociar com o progresso para inserir e permitir que o meio ambiente avance dentro da agenda política. Na última campanha presidencial, nenhum candidato (NENHUM!) incluiu o tema entre os cinco mais importantes do programa ou da plataforma de campanha.



Este grupo compõe a cabeça da chapa presidencial e de governo em alguns estados. È a turma que entendeu como se aproximar do empresariado conectado com a ideia de desenvolvimento menos voraz e mais responsável, ainda que – para muitas empresas – soe como uma ação de marketing.

O problema do PV é a outra banda, que tocava em outros partidos com histórico de fisiologismo. São sujeitos que, se pudessem, passavam concreto sobre a Amazônia e a Mata Atlântica, em troca de privilégios ou uns tostões na conta bancária. São políticos que perderam (ou nunca tiveram) poder em outras siglas e veem, em Marina Silva, a chance de usufruir das benesses políticas numa posterior aliança com o vencedor. Trabalham para Marina crescer, sem o objetivo da vitória, mas para costurar uma aliança política sólida de cargos (e claro, salários).

Se a candidatura de Marina Silva decolar ao ponto de enfraquecer a polarização da corrida ao Planalto, o grupo sanguessuga vai servir de alvo para os adversários. Como explicar a presença deles no PV? Como justificar que eles são os espetos de pau na casa do ferreiro? Marina teria estômago e experiência para lidar com este grupo, agarrado ao modelo político-econômico vigente?

Acompanho eleições há quase 20 anos como jornalista e tenho consciência que ainda é cedo para assinar qualquer sentença. De vida e de morte. Por isso, sinto-me esperançoso de que Marina Silva poderá equilibrar o jogo e evitar um Fla-Flu entre situação e oposição. Não uso o termo continuísmo porque ele não se aplica apenas a Dilma Roussef. É evidente que Lula deu seqüência, por exemplo, ao modelo econômico tucano. Só que ambos os candidatos pretendem manter o trem na mesma ferrovia, sem grandes tropeço ou bifurcações.

Neste sentido, Marina Silva – se conseguir domar os selvagens e/ou falsos ambientalistas que ocupam parte do espaço do PV – poderia representar o novo, um olhar diferente para o processo político-econômico neoliberal. Falta o eleitor prestar mais atenção nas palavras, nas atitudes e no passado dela. E torcer para que as sanguessugas sejam pisoteadas pelo caminho.

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