Texto publicado no jornal Boqueirão (Santos/SP), edição n.778, de 27 de fevereiro a 5 de março de 2010, pág.10
O tempo nos escravizou. Somos dependentes da contagem das horas, minutos e até milésimos de segundos. O tempo atual é vinculado ao trabalho, aos compromissos profissionais, que determinam uma série de comportamentos dentro do cotidiano.
É o tempo do trabalho que estabelece o período para que nós possamos viver outros papéis sociais. É o tempo do trabalho que regula como as pessoas vão exercitar ou lutar contra o status imposto a elas pelos outros. É o tempo do trabalho que indica quais intervalos serão destinados a outras atividades, inclusive o lazer, transformado em obrigação em muitos lugares.
Na prática, o homem de hoje despreza o ócio ao nível da culpa. Quantas vezes você, leitor, não se sentiu culpado ou pressionado por outras pessoas por optar em fazer coisa alguma? Este tempo urbano é acelerado e cruel contra as necessidades mais elementares do ser humano, que nos tornam singulares, em certo sentido. Somos envolvidos ao ponto de não querer digerir, por exemplo, sentimentos e sensações de forma adequada, o que nos leva a decisões apressadas e, principalmente, a viver o agora sem avaliações.
Um ex-aluno e hoje grande amigo enfrentou recentemente uma situação de espera. A espera era voluntária diante de um relacionamento afetivo em crise. A parceira dele passava por uma fase de turbulências profissionais e financeiras, somada a uma crise interna em torno do futuro do próprio relacionamento amoroso.
A moça pediu a ele que se afastasse um pouco para que ela pudesse refletir sobre os acontecimentos recentes e poder tomar uma decisão sem grandes pressões. Ela queria se conhecer. Ele resolveu esperá-la por algum tempo e incorporou a ideia de que este tempo colocaria as coisas no lugar.
A questão é que hoje temos uma dificuldade enorme de esperar. A espera é dolorosa, nos coloca em contato com nós mesmos, numa trajetória profunda, por vezes surpreendente e decepcionante. Vemos aquilo que detestamos, sentimentos miseráveis que acreditávamos ter enterrado numa cova sem identificação.
Quem espera nada no sentido inverso das relações atuais, rápidas e líquidas. O ato de esperar nos mantém em estado de suspensão, de olho no desfecho deste caminho sem trilha, que segue paralisado no endereço de partida. Não há para onde ir. A estrada começa e termina num único ponto.
Esperar é o contra-senso do mundo imediato. Não existe tempo para espera. O tempo nos consome e é consumido. O tempo, que nos escraviza, também nos serve, numa relação perniciosa, promíscua até. Jogamos com ele e o responsabilizamos por nossas mesquinharias. Terceirizamos nossa parcela de culpa ao tornarmos a abstração do tempo como criminosa.
Esperar implica em tolerar, explorar os limites da paciência diante da incógnita que nos levou a esta posição. O resultado fantasiado não é garantido pelo simples ato de parar e aguardar pelo outro ou por algo. O resultado funciona, na prática, como mero objeto de desejo.
Esperar exige, como remédio para a fantasia, maturidade e serenidade. Quando se espera, abrimos mão do mundo em movimento, frenético, sem controle, que nos ilude com a proposta de domínio sobre os caminhos e os destinos. A serenidade talvez seja, neste caso, a única injeção possível contra a insegurança e a chance de decepção diante do que nos aguarda. Até porque, ao esperarmos, nos agarramos numa história construída – via imaginação -, na qual os demais envolvidos ganham falas e papéis que nos atendem, mas não condizem com o mundo real, com a dinâmica das relações entre pessoas.
Esperar, no fundo, soa como missão ingrata, frustrada, porém fundamental. Ingrata porque nos coloca numa situação de dependência do outro, das sensações, sonhos, angústias e sentimentos dele. Frustrada pelo fato de que estamos perante o desconhecido, a imprevisibilidade das reações humanas. Fundamental porque nos diz exatamente o que devemos saber: somos humanos, ainda que o cotidiano – e seu tempo – nos ofereça uma rotina de prazeres instantâneos, de curto prazo, e a vida de um personagem na qual agimos e reagimos como máquinas. Sem reflexão, sem digestão daquilo que nos garante o rótulo – esta é a palavra – de humanos.
Meu amigo não atingiu o resultado que esperava. Acabou engolido por acontecimentos sobre os quais ele jamais teve controle, embora se alimentasse – eventualmente – da ilusão e da fragilidade do domínio sobre o que o cerca. Ele não se arrepende de ter esperado. Prefere sorrir para si e compreender que se abriu para o outro, abdicou naquelas circunstâncias do individualismo do contemporâneo e, mesmo sem ter o que desejava, caiu em mudança.
É o otimismo de quem sonha com a maturidade, a sabedoria e, na imposição da mudança, se delicia com o desconhecido. Alterar-se, de longo prazo, pode ser a cura para as dores da fracassada espera. As dúvidas e os medos se abraçam com a única certeza: esperar sempre, o mecanismo para o próprio interior.
O tempo nos escravizou. Somos dependentes da contagem das horas, minutos e até milésimos de segundos. O tempo atual é vinculado ao trabalho, aos compromissos profissionais, que determinam uma série de comportamentos dentro do cotidiano.
É o tempo do trabalho que estabelece o período para que nós possamos viver outros papéis sociais. É o tempo do trabalho que regula como as pessoas vão exercitar ou lutar contra o status imposto a elas pelos outros. É o tempo do trabalho que indica quais intervalos serão destinados a outras atividades, inclusive o lazer, transformado em obrigação em muitos lugares.
Na prática, o homem de hoje despreza o ócio ao nível da culpa. Quantas vezes você, leitor, não se sentiu culpado ou pressionado por outras pessoas por optar em fazer coisa alguma? Este tempo urbano é acelerado e cruel contra as necessidades mais elementares do ser humano, que nos tornam singulares, em certo sentido. Somos envolvidos ao ponto de não querer digerir, por exemplo, sentimentos e sensações de forma adequada, o que nos leva a decisões apressadas e, principalmente, a viver o agora sem avaliações.
Um ex-aluno e hoje grande amigo enfrentou recentemente uma situação de espera. A espera era voluntária diante de um relacionamento afetivo em crise. A parceira dele passava por uma fase de turbulências profissionais e financeiras, somada a uma crise interna em torno do futuro do próprio relacionamento amoroso.
A moça pediu a ele que se afastasse um pouco para que ela pudesse refletir sobre os acontecimentos recentes e poder tomar uma decisão sem grandes pressões. Ela queria se conhecer. Ele resolveu esperá-la por algum tempo e incorporou a ideia de que este tempo colocaria as coisas no lugar.
A questão é que hoje temos uma dificuldade enorme de esperar. A espera é dolorosa, nos coloca em contato com nós mesmos, numa trajetória profunda, por vezes surpreendente e decepcionante. Vemos aquilo que detestamos, sentimentos miseráveis que acreditávamos ter enterrado numa cova sem identificação.
Quem espera nada no sentido inverso das relações atuais, rápidas e líquidas. O ato de esperar nos mantém em estado de suspensão, de olho no desfecho deste caminho sem trilha, que segue paralisado no endereço de partida. Não há para onde ir. A estrada começa e termina num único ponto.
Esperar é o contra-senso do mundo imediato. Não existe tempo para espera. O tempo nos consome e é consumido. O tempo, que nos escraviza, também nos serve, numa relação perniciosa, promíscua até. Jogamos com ele e o responsabilizamos por nossas mesquinharias. Terceirizamos nossa parcela de culpa ao tornarmos a abstração do tempo como criminosa.
Esperar implica em tolerar, explorar os limites da paciência diante da incógnita que nos levou a esta posição. O resultado fantasiado não é garantido pelo simples ato de parar e aguardar pelo outro ou por algo. O resultado funciona, na prática, como mero objeto de desejo.
Esperar exige, como remédio para a fantasia, maturidade e serenidade. Quando se espera, abrimos mão do mundo em movimento, frenético, sem controle, que nos ilude com a proposta de domínio sobre os caminhos e os destinos. A serenidade talvez seja, neste caso, a única injeção possível contra a insegurança e a chance de decepção diante do que nos aguarda. Até porque, ao esperarmos, nos agarramos numa história construída – via imaginação -, na qual os demais envolvidos ganham falas e papéis que nos atendem, mas não condizem com o mundo real, com a dinâmica das relações entre pessoas.
Esperar, no fundo, soa como missão ingrata, frustrada, porém fundamental. Ingrata porque nos coloca numa situação de dependência do outro, das sensações, sonhos, angústias e sentimentos dele. Frustrada pelo fato de que estamos perante o desconhecido, a imprevisibilidade das reações humanas. Fundamental porque nos diz exatamente o que devemos saber: somos humanos, ainda que o cotidiano – e seu tempo – nos ofereça uma rotina de prazeres instantâneos, de curto prazo, e a vida de um personagem na qual agimos e reagimos como máquinas. Sem reflexão, sem digestão daquilo que nos garante o rótulo – esta é a palavra – de humanos.
Meu amigo não atingiu o resultado que esperava. Acabou engolido por acontecimentos sobre os quais ele jamais teve controle, embora se alimentasse – eventualmente – da ilusão e da fragilidade do domínio sobre o que o cerca. Ele não se arrepende de ter esperado. Prefere sorrir para si e compreender que se abriu para o outro, abdicou naquelas circunstâncias do individualismo do contemporâneo e, mesmo sem ter o que desejava, caiu em mudança.
É o otimismo de quem sonha com a maturidade, a sabedoria e, na imposição da mudança, se delicia com o desconhecido. Alterar-se, de longo prazo, pode ser a cura para as dores da fracassada espera. As dúvidas e os medos se abraçam com a única certeza: esperar sempre, o mecanismo para o próprio interior.
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Bruna