A turma da hora-extra

Texto publicado na coluna O outro lado da bola, interinamente, durante as férias do colunista Gerson Moreira Lima. Jornal Boqueirão (Santos/SP), edição 772, 16-22 de janeiro, página 10.

Com o início dos principais campeonatos regionais nesta semana, coloca-se à prova a principal tendência da temporada 2010: o investimento em jogadores veteranos. A maioria dos grandes clubes brasileiros gastou dinheiro em jogadores acima de 30 anos. Muitos dos “vovôs” chegaram com pompa e circunstância. São vistos como salvação do time, como embaixadores em comemoração de centenário do clube ou como símbolo de recuperação de um passado glorioso recente.

A vida – dentro ou fora do ambiente de trabalho – aponta que, em certos momentos, a saída é recorrer a quem se conhece bem. Aquele chinelo velho que garante o conforto da longa caminhada, sem deixar calos ou bolhas nos pés. Aquele cobertor surrado que se ajusta ao corpo, não irrita a pele e protege do frio.

No cancioneiro popular, há várias referências para a importância dos experientes. Na música caipira, por exemplo, Sérgio Reis tornou famoso o refrão: “não interessa se ela é coroa, panela velha é que faz comida boa.” No cotidiano, quantas vezes elogiamos outra pessoa com a frase: “fulano é como vinho: quanto mais velho, melhor.”

Na cultura pop, a sabedoria é associada à imagem clássica do velhinho, detentor do conhecimento, disciplinador e generoso ao transmiti-lo para os mais novos. Na série de cinema Guerra nas Estrelas, de George Lucas, aparece a figura do personagem Yoda, aquele anãozinho verde, que fala ao contrário, sereno, mas eficiente na formação de guerreiros e hábil ao manipular a espada luminosa.

O sábio é sempre uma figura zen (não entenda como passiva), que conhece os atalhos da condição humana. Ou do campo, como disse certa vez o meia Didi, criador do chute folha seca, e campeão mundial em 1958 e 1962.

Mas por que investir em atletas com pouco tempo de vida no futebol? A sabedoria serve como única garantia?

Estes jogadores não são baratos, não tem retorno garantido, exigem preparação física especial e treinamentos diferenciados. Poucos serão renegociados, com chance de lucro, ao final do contrato.

No entanto, tais características são fragéis argumentos diante do que a turma da hora-extra pode oferecer. Não se trata apenas de experiência, mas de talento aliado a ela. A maioria dos veteranos contratados, em condições adequadas, tendem a assumir o papel de maestro, o sujeito que indica qual a nota a ser tocada e que dita o ritmo da melodia durante a apresentação.

O Flamengo nos deu dois exemplos. Junior foi o condutor do time campeão nacional nos anos 90. O jogador, ao perceber as mudanças do próprio corpo, foi para o meio-campo. O desempenho permaneceu em alto nível, que o colocou na lista de especulações para a seleção. Junior tinha 39 anos.

No ano passado, o sérvio Petkovic – dado como um cadáver para o futebol – arrebentou no campeonato nacional. Cercado de jovens e outros colegas de nível excelente, Pet decidiu partidas, pois é da turma capaz de perceber e controlar o minuto que altera o rumo de uma partida.

Torço para que os veteranos arrebentem em massa este ano. Só eles conciliam o toque refinado com os blefes e cartadas decisivas de um jogo. Atraem torcedores, rendem colunas como esta, viram conversas interessantes nos botecos e padarias. E nos fazem sonhar com o futebol-arte, esmagado pela força física e táticas defensivas.

Nada como assistir velhos atores como Giovanni, Ronaldo, Roberto Carlos, Sávio, Marcelinho Paraíba, Edilson e Dodô, que dominam o texto como ninguém. Até porque nossos melhores garotos enchem o baú de moedas de ouro na Europa. Os que ficaram por aqui, pelo menos, ganham lições ao vivo. E recebem salários para ver as aulas!

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