Quando os animais atacam

Os professores de ciências para crianças costumam dizer que a racionalidade diferencia o homem dos outros animais. Muitos acadêmicos falam em capacidade de produzir cultura como elemento de diferença. Há aqueles que tocam no comportamento psicológico. A genética entra também no pacote de prevalência humana.

No fundo, todas as teorias colocam o homem numa condição de superioridade, no topo da cadeia evolutiva. As diferenças garantem o papel de liderança (ou de invasor, depende da perspectiva). Mas o que une o ser humano aos bichos?

Sempre me interessou a ideia de auto-preservação, mecanismo que nos faz tomar decisões e agir de forma que jamais pensaríamos quando somos ameaçados. Ou quando corremos risco de morrer. A auto-preservação nos reduz à condição de bichos, capazes de justificar comportamentos incomuns, bizarros, selvagens por aquilo que o senso comum chama de instinto.

É fácil pensar que a sua vida (ou a minha) vale mais do que qualquer outro bem, material ou não. Preservamos a vida a qualquer preço. Tentamos prolongá-la não só pelo desejo de aproveitá-la, por nós e pelos que julgamos próximos, mas por temer também a morte.

E o preço pela vida do outro? Como estabelecemos? Quais critérios escolhemos para criar uma escala de valores que meça o valor da vida de qualquer pessoa? É o dinheiro na conta bancária? Medimos pelas marcas – de tatuagens a etiquetas de griffes - que estampam o corpo do outro? Medimos pelos lugares que o outro freqüenta ou pela posição? Medimos pelas convicções, valores e formas de pensar? E, principalmente, medimos pelas diferenças ou pelas semelhanças que o outro tem conosco?

O que me fez escrever este texto foi um tipo de reportagem que não desaparece do noticiário: os casos em que pessoas são atacadas, feridas e mortas por sujeitos que nunca as viram. Eles não sabem seus nomes, desconhecem os valores e histórias das vítimas, crenças, ideologias e relações sociais. A escolha é aleatória – baseada no critério primitivo da maldade -, que autoriza submeter alguém a torturas pelo simples fato de que ele existe. E com a suposição de que se trata de um ser diferente, passível de eliminação, como um inseto que encosta no ombro. Valor da vida? Igual a zero.

No dia 14 de janeiro, um adolescente esperava – com o irmão e amigos - por um ônibus na avenida Deputado Emilio Carlos, no bairro do Limão, em São Paulo. Três jovens, de 18 a 24 anos, em um Fiat Uno vermelho, resolveram atacá-lo. Seguraram no braço do rapaz com o carro em movimento e o arrastaram por 60 metros.

Depois de largar o adolescente, o trio rodou e retornou ao local do crime, onde foi perseguido pela Guarda Metropolitana e preso. Eles negam ser skinheads (fato especulado pela imprensa), o que – francamente – não faz diferença. Um pedaço da camiseta da vítima, mais a bota de uma testemunha, que tentou chutar o braço de um dos agressores, foram encontrados dentro do Fiat Uno.

A mãe da vítima disse que o filho integrava uma banda punk. O adolescente se encontra na UTI do Hospital Vila Nova Cachoeirinha. Pode morrer! Por enquanto, os agressores vão responder por tentativa de homicídio.

Os rótulos tribais urbanos (punks e skinheads, no caso) alimentam o preconceito e carecem de outros fatores para levarmos mais a fundo as razões ou características de alguém que julga o outro sinônimo de vazio.

A vítima é desumanizada ao ponto da inexistência. Ela pode ser tornar invisível, ao ponto da ignorância. Mas o vazio que ela representa é, evidentemente, abstrato. A vítima simboliza aquilo que causa repulsa ou é a inferioridade que fere aos olhos. Mas o processo oposto também se desenha, quando o outro é justamente a personificação do que o agressor desejaria ser, mas permanece paralisado a convenções sociais e pessoais.

Em ambos os casos, tenho a impressão de que a existência do outro, a vida do outro, funciona como substância inflamável para a atitude violenta que nasce com o objetivo de reduzir a vítima a nada. Aí sim, no mundo concreto. Ali, não haveria uma vida como a do agressor; somente uma caricatura indesejável.

A caricatura indica um universo no qual o sujeito acredita ser, de certa forma, o proprietário egocêntrico ou aquele que se encontra em posições mais elevadas na escala de sobrevivência. Só resta a eliminação do outro, na doentia cadeia alimentar.

Você, leitor(a), deve se lembrar do assassinato do coordenador de projetos sociais da ONG Afro Reggae, Evandro João da Silva, de 42 anos.(foto abaixo) Ele morreu após um assalto em frente a uma agência bancária. Dois policiais militares, que faziam ronda no local, não apenas ignoraram Evandro, como ficaram com o produto do roubo. E liberaram os assassinos.



O surreal, nesta história, é o argumento do advogado dos PMs. Para ele, os dois policiais ignoraram a vítima por acharem que ela fosse um mendigo. No espetáculo do horror, as peças do tabuleiro ficam mais claras. A declaração me permite interpretar que mendigos e cidadãos são criaturas diferentes. Mendigos e pessoas seriam seres de espécies diferentes? Ou a vida de um mendigo – para ser mais preciso – vale menos que a vida de um cidadão?



O mendigo, como vale menos, é barata urbana. Não traz glórias ou reconhecimento público. É o borrão na pintura, que deve ser ignorado ou descartado para deixá-la apreciável.

As histórias se sucedem, ficam famosas, recheiam a mídia por uma semana ou duas, mas a incompetência não nos permite aprender com elas. Ficamos chocados com os filhos de papai que queimam índios em Brasília. Parecia um mendigo, disseram os marmanjos.



Vimos, com surpresa, empregadas domésticas que apanham no ponto de ônibus porque os agressores a confundiram com uma puta. Índios e prostitutas estariam na escala inferior da vida. Valem menos!

Por ironia, a coincidência entre índios, putas e punks – quando vítimas – são os pontos de ônibus. Não ter carro próprio seria um sinal negativo? A aparência fora do padrão seria outro? Ou os pontos de ônibus viraram área de caça para certo tipo de predador urbano, esse sim um tipo de animal digno de jaula e/ou tratamento?

Comentários

Marcia Leite disse…
Realidade tristíssima.
Pena mesmo ter como antecedente análogo de punição, autoria de descendência privilegiada de integrantes de altas Cortes de Justiça .
Se nada aconteceu lá, por que irá acontecer cá?

Agora, vamos popularizar : Têm o quê na cabeça essas criaturas que se dizem humanas?

Graças a Deus alguém ainda se idigna e suscita a discussão. Obrigada.
beijo
Anônimo disse…
Estes rapazem não são skinnheds aquele local é um local de punk drogas prostituição as pessoas morem de medo de passar por ali eu mesma ja fui assaltada ali [não julguem assim as pessoas a midia gosta de mostrar coisas ruis] A MIDIA SO OUVIU OS PUNK E JA FORAM CONDENANDO OS RAPAZES SEM DAR AO MENOS A DEFESA A ELES ]SEI que as coisas não aconteceram assim aqueles punk andam com canivete soco ingles bebados e drogados..(OBRIGADO ASS....NATALLI)
Anônimo disse…
cuidado com o pré julgamento aqueles esses Rapezes não são skinheds esses punk mesmo falaram que vivem brigado O PROPRIO IRMÃO do mawxel disse que gosta de brigar que ele é punk a 10 anos e já se envolveu em varias brigas que tipo de pessoa é essa que sai por por ai arrumando briga GENTE ABRAM OS OLHOS. RAFA BT
Anônimo disse…
VCS TEM RAZÃO ESTÁ HITÓRIA ESTÁ MAL CONTADA MESMO
Anônimo disse…
ELES SE DECLARARAM ANARCO PUNK O PROPRIO MAWXEL QUE DISSE ELES SÃO ANTI CRISTO;A Justiça tem que abrir os olhos para a raalidade desses tais punk?