O novo sobrenome

Resolvi que vou mudar de sobrenome. Na próxima semana, vou procurar o Poder Judiciário e entrar com o pedido formal para alteração, o que inclui o documento de identidade e, obviamente, demais registros que compõem a praga burocrática brasileira.

Tenho cinco nomes, o que eventualmente gera os tradicionais comentários sobre o tamanho do conjunto. Abreviaturas são comuns. Cansaço de quem anota, também. Mas não me incomoda aumentar a lista, pois a partir daí minha vida mudará. Seria como entrar e delirar em Alice no País da Impunidade, com direito ao chapeleiro maluco das Alagoas, com olhos faiscantes e corpo teatral, entre outros personagens caricatos.

Resolvi pedir a inclusão do sobrenome Sarney. As vantagens são inúmeras para quem não possui escrúpulos ou tem cara de pau suficiente para aceitar as regalias e negar tudo depois. Qualquer coisa! A ordem é resistir ao escândalo. Na verdade, perseguição dos outros, invejosos porque não têm a tradição do meu novo sobrenome. O clã – mais os escravos engravatados de ocasião – fariam o papel de tropa de choque contra estes adversários.

O pai de todos, José Sarney, tem 80 anos. Poderia ser meu avô. Jamais me negaria um emprego. Depois de mim, poderia assegurar uma vaga para minha namorada, mesmo que ela não tivesse competência ou formação para o cargo. Uma das netas do coronel tem um namorado-físico (aqui falo da área científica, e não de qualidades pessoais) e ele trabalha na Senadolândia. Para que o parque de diversões precisaria de um físico? Quais fenômenos poderiam ser estudados? Talvez a montanha-russa, com viradas de ponta cabeça entre os que sentam nos carrinhos do plenário.

Com sobrenome eleito por Deus do Maranhão, jamais ficaria sozinho. Bastava arrumar alguém desempregada e disposta a ganhar mais do que a maioria dos brasileiros para ser parte da mobília no Congresso Nacional. Único pré-requisito: discrição absoluta. Não se pergunta. Repete-se a palavra NÃO! Afinal, a nomeação é um ato secreto.

Adotar um novo sobrenome não seria garantia de parentesco. Não há problema. O presidente do Senado ajuda sem conhecer. Poderia até ser padrinho do meu casamento com a funcionária-fantasma que ele empregou. Mesmo com fotos e filmagem, o coronel-benfeitor juraria de pés juntos e mãos trêmulas que não me conhece e nunca esteve no evento. O juramento aconteceria na tribuna do Senado, diante dos colegas e da imprensa. Fato legitimado!

Caso tenha problemas financeiros, o novo sobrenome me poupará (palavrinha sugestiva!) de enfrentar a desconfiança e o desprezo de um gerente de banco. Terei garantido empréstimo consignado, com juros convidativos.



Engana-se quem pensa que ser zelador de uma ilha paradisíaca na Austrália, como saiu na imprensa, é o melhor emprego do mundo. Com o cargo dado pelo meu “avô-coronel”, teria moradia, passagens aéreas, alimentação, roupas e talvez até motorista. Menos ter que trabalhar! O melhor emprego do mundo fica no cerrado, em Brasília. É paradisíaco, ainda que no sentido figurado.

Adotar um sobrenome novo poderia me garantir o direito de processar quem quisesse e ganhar liminares rapidamente. Basta procurar um “conhecido” no Judiciário, de preferência que tenha freqüentado um dos muitos casamentos que meu parente-presidente apadrinha, e pedir que passe a mordaça na boca dos jornalistas. Pode até ser o meu casamento com a funcionária-fantoche.

Como os jornais ousam mencionar meu nome e sobrenome com fatos que não pode ser comprovados? Caso tenha confessado por telefone, trata-se de invasão de privacidade. Para a minha família, tudo o que é público se transforma em privado. E vice-versa, desde que a gente controle.

As vantagens são grandes. Se não der certo em Brasília, posso trabalhar em fundações no Maranhão. Se falhar também, garanto-me no Amapá. Se tudo der errado, o Governo Federal me garante. Apoios são pactos que incluem todos de mesmo sobrenome, com validade até novembro de 2010.

Pensando melhor, vou ficar com o nome que possuo desde o nascimento. Com ou sem o sobrenome Sarney, sou eu quem administra minha própria biografia. Ensinamentos do coronel. Meu pai - biológico, aliás, e sem vínculos com o Senado – já dizia que a única coisa que temos é o nome. E levar o título de Sarney para o túmulo, atualmente, é arriscar o hábito dos brasileiros de elogiar (ou evitar falar mal) do morto.

Comentários

Unknown disse…
Parece até piada esse Sarney e suas maracutaias! Se não fosse trágico seria cômico, aliás, é os dois! Eles tentam fazer a gente de idiota...