A herança de Papa

Após 12 anos de governo, em diversas funções, João Paulo Tavares Papa terá a legitimidade incontestável para aqueles que ocupam o poder: a maioria esmagadora nas urnas. Em 2004, ele foi reconhecido pelos eleitores, obviamente, mas assumiu a Prefeitura de uma cidade dividida, depois de vencer Telma de Souza por apenas 1771 votos.

Papa foi o prefeito escolhido por mais de 190 mil eleitores, recorde histórico na cidade de Santos. Experiente dentro do universo político, ele sabe o tamanho da responsabilidade que bate à porta do prédio da praça Mauá.

A história indica que a segunda gestão normalmente caminha em passos mais lentos, com certo relaxamento na máquina pública. A questão, no entanto, se refere às conseqüências da campanha eleitoral: como administrar a cidade com uma coligação de 17 partidos às costas?

Os velhos caciques ensinam que, em política, não existem amigos, mas interesses. Seria ingênuo pensar que os partidos, que navegam da extrema direita à esquerda (pelo menos no aspecto teórico), não cobrarão dividendos do poder na continuidade da gestão Papa. Todos deverão exigir sua parte no bolo, cada qual a sua maneira, seja pelo número de vereadores nas comissões da Câmara, seja por cargos nos escalões da Prefeitura.

Conforme o desgaste de relacionamento, o controle de Papa sobre os vereadores poderá ser líquido ou sólido. A Câmara deverá seguir em favor do prefeito. O Poder Legislativo aprovou o que quis nos últimos anos, contando com a ausência de fiscalização de setores da sociedade civil. Os vereadores, por exemplo, banalizaram a distribuição de medalhas e títulos em 2008.

A renovação do Legislativo será baixa, de acordo com as pesquisas eleitorais. Além das três cadeias desocupadas pelas desistências de Jama (PDT), Paulo Barbosa (PSDB) e Sueli Morgado (PT), apenas duas vagas deverão ser trocadas. Infelizmente, o continuísmo na Câmara indica a frágil preocupação do eleitor com este poder. Ou, na pior das hipóteses, a concordância com as ações dos vereadores.

João Paulo Tavares Papa terá à disposição orçamento superior a R$ 1 bilhão. As maiores fatias, até por força de lei, ficam para Educação e Saúde. Santos apresenta desempenho razoável nas avaliações educacionais. É a melhor cidade da região, mas a política educacional se tornou vidraça quando a Fundação Getúlio Vargas apontou em pesquisa a ineficiência de gastos no setor.

No caso da Saúde, o prefeito terá que rebolar com o número de atendimentos de pacientes oriundos de outras cidades, que sobrecarregam – por exemplo – a Santa Casa de Santos. Será que a solução envolve apenas construir outros hospitais ou é necessário sentar-se diante da mesa com outros prefeitos?

Este breve cenário representa a urgência de ações efetivas de todos os municípios no sentido de transformar a região metropolitana da Baixada Santista é algo além da ficção científica.

Santos vivencia mudanças aceleradas no desenho urbano. São 150 obras em andamento, desde casas sobrepostas até conjuntos de torres com mais de 20 andares. As construções estão espalhadas por toda a área insular, o que inclui Zona Noroeste e morros. Tais alterações no espaço da cidade implicam planejamento conjunto dentro da administração municipal, pois impactos ambientais serão nítidos. Haverá problemas maiores no trânsito, maior produção de lixo e esgoto, além de consumo de energia e água.

Será que o município se preparou para um suposto aumento populacional, em várias classes sociais, todas potencialmente consumidoras? E o que fazer com o deslocamento de moradores de camadas mais pobres?

Atualmente, o déficit habitacional é estimado em 15 mil moradias. O programa de governo prevê obras, mas com quais recursos? As últimas quatro gestões patinaram sobre o mesmo problema.

O que Papa pretenderá para si próprio em quatro anos? Como deseja ser lembrado? Se a trajetória histórica seguir sem surpresas, o prefeito será visto como um gerente, que passou ileso por escândalos e não atrapalhou os rumos da cidade. Talvez faça o sucessor.

Ou Papa sonha em ser visto como alguém que se planejou para um novo cenário, sem um legado de omissões diante de conseqüências econômicas, ambientais e sociais?

Com 17 partidos esfomeados, o prefeito sobreviverá às pressões mesquinhas do processo político? Neste universo, as tentações são múltiplas, e os erros destroem um governante nos detalhes, com o desmoronamento do conjunto da obra.

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