A fábrica de gênios: 16 horas diárias de aulas

A educação é vista como uma entidade abstrata, dentro de uma concepção que mescla o delírio com o desleixo. É comum classificá-la como um paradoxo em si, pois carrega a pecha de responsável por todos os males de um país onde o futuro nunca chega, mas também leva consigo a solução para colocar o Brasil no clube das potências econômicas.

Em ano eleitoral, falar em educação é uma obrigação para qualquer aspirante a cargo público, obviamente sem compromisso com as palavras. É o tema mais presente na campanha. Por vezes, o candidato apenas cita o assunto e o considera encerrado. Por outras, associa a educação à criação de vagas escolares ou em creches e à construção de edifícios, sem entrar no debate sobre qualidade de ensino, demasiado complexo para quem pouco entende do cardápio.

Na prática, quando recebem a autorização para ter o melhor emprego do mundo por quatro anos, os políticos agradecem ao conectar qualidade de ensino à criação de disciplinas. De acordo com reportagem de Mariana Tramontina, do Universo On-Line, existem na Câmara Federal 50 projetos de lei que estabelecem a implantação de matérias na educação básica.

Se todos os projetos fossem aprovados e se levarmos em conta que cada disciplina seria ministrada uma vez por semana, cada estudante teria que permanecer 16 horas e 20 minutos por dia na escola. Isso significa o dobro do tempo previsto em unidades de horário integral e o triplo do período convencional nas redes de ensino.

A idéia de criar matérias para resolver problemas pedagógicos é arcaica há 50 anos. Tal pensamento tem como raiz a lógica de que inchar a escola de aulas representaria acréscimo na qualidade da aprendizagem. Neste caminho distorcido, deixa-se de lado a reflexão a respeito de uma série de itens, como a capacitação dos professores e o diálogo entre as disciplinas.

O erro crucial, no entanto, é a ingênua concepção de que o conteúdo precisa ser institucionalizado, isto é, armazenado em matérias como única saída para ser transmitido a um aluno. Os deputados, que poderiam ter – no mínimo, como lição de casa – conversado com especialistas em educação, perceberiam que há outras formas de inserir um tema em redes escolares. Há temas transversais, tendências pedagógicas que relêem o papel dos conteúdos e conceitos como interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

Em todos os casos, a eficiência do processo educacional não se encontra em uma lista quilométrica de matérias, mas nas formas de abordagem e de transmissão de conhecimento. Os políticos não comparam à exaustão o fracasso escolar brasileiro com o sucesso de modelos como o espanhol, o irlandês e o sul-coreano? Um simples exercício de checagem da informação os faria enxergar que nenhum destes países trabalha com um volume astronômico de disciplinas.

Na Câmara Federal, os deputados ignoram até as idéias dos próprios colegas. Sem considerar Meio Ambiente como tema transversal, previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, os parlamentares apresentaram oito projetos de lei que transformam educação ambiental em matéria obrigatória. Outros itens semelhantes também virariam aulas específicas como Rio Amazonas, reciclagem, poluição e acidentes ecológicos.

Os deputados federais, talvez interessados na formação de um sujeito eclético e/ou superdotado, propuseram ainda aulas de cooperativismo, legislação fiscal e tributária, direito constitucional, planejamento financeiro pessoal e familiar, empreendedorismo, segurança pública, direitos da mulher e qualidade total, além da volta de educação moral e cívica.

Outros projetos de lei sugerem conteúdos específicos, em disciplinas existentes. Dois exemplos: 1) Educação para o Pensar, em Filosofia; 2) Educação Alimentar, em Ciências e Biologia. O significado dos nomes implica uma investigação utópica!

A queda de braço entre parlamentares e educadores coloca o segundo grupo em posição de defesa. O retorno de Filosofia, Sociologia e Música nasceu no Congresso Nacional, com o aval do presidente da República. As redes que se virassem depois para implementar estas matérias e se responsabilizassem pela formação de docentes e organização da grade curricular.

A longo prazo, se o ritmo for mantido, o que teremos: uma escola com alunos vestidos em capas de super-heróis para absorção de tamanha informação? Ou estudantes cada vez mais desmotivados por um ensino chato e obsoleto, no qual cada matéria vive encastelada em torres e avessa ao diálogo? Se as escolas – salvo dignas exceções - mal ensinam o básico e pouco analisam suas práticas pedagógicas, como esperar delas rápida adaptação aos delírios de quem legisla de costas para estudantes e professores?

Sem autonomia, as redes estaduais e municipais de ensino vão se transformar em depósito de disciplinas, reforçando a imagem de depósito de pessoas. Para uma boa escola, educar passa por pensar criticamente e assumir compromissos sociais. Que exercício doloroso para os legisladores federais!

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