O cartaz é discreto, assim como quem o pregou. A mensagem é clara e propõe a doação de algum tempo da vida – pedido difícil em tempos tão atribulados, às vezes para inutilidades individuais. Mas a autora da proposta é persistente, como o japonês mais tradicional.
Ela sabe que pedir alguns minutos do dia-a-dia de qualquer sujeito para a criação de um origami (esculturas de papel de origem japonesa) requer paciência, pouca chance de compreensão e talvez a providencial conversa de canto, ao pé do ouvido. É neste momento que se dispõe a explicar o objetivo dos tsurus (pássaros que representam a paz e a prosperidade).
Em várias ocasiões, Márcia deparou-se com a incredulidade de indivíduos acostumados com o pragmatismo contemporâneo. Tudo, para eles, está vinculado à utilidade instantânea, concreta, palpável, mensurável como dados de uma equação matemática. Nesta hora, Márcia Okida coloca as razões pessoais para persuadi-los sobre um trabalho que gerará ressonância final a milhares de quilômetros. Os tsurus simbolizam a forma mais singela que encontrou para homenagear o avô, de origem japonesa, falecido há 35 anos. Primeira filha, sobrinha e neta da família, Okida o enxerga ao lado de si desde a infância, como se ele transmitisse paz e tranqüilidade.
O cartaz é um pedido de solidariedade. Consiste na produção de origamis em formato dos pássaros, que serão enviados ao Japão para o Memorial Sadako Sasaki. O local homenageia a garota que morreu vítima da bomba nuclear detonada em Hiroshima, durante a Segunda Guerra Mundial. A menina simboliza os mortos daquele horror. Sadako foi atingida pela chuva de fuligem em decorrêncja da explosão e desenvolveu leucemia dez anos depois. No hospital, prometeu a si mesma que montaria mil tsurus. Morreu antes de completar o desejo. A confecção dos pássaros em origami passou a representar paz, vida longa e prosperidade.
O sorriso discreto das pequenas vitórias não nega a ascendência japonesa. O assunto se espalhou pela Internet e levou Márcia Okida a jornais e emissoras de TV. Aos colegas de universidade, numa noite dessas, mostrava uma sacola com 200 origamis enviados por uma aluna. E dizia: - Tenho 1200. Fora o que virá do Sul e do Nordeste. Escolas estão envolvidas, gente.
O jeito de lidar com as situações cotidianas também provoca um certo incômodo. Em época de paixão pelo marketing pessoal e pelo jogo de aparências, Márcia se sente culpada pela visibilidade. Angustia-se ao ver que muitos associam a proposta do tsurus à prática da “solidariedade de mídia”, quando a doação acontece mediante o cerco de câmeras e holofotes.
Engana-se o menos avisado que crê numa exposição pessoal excessiva ou em tarefas inacabadas. Márcia propõe-se sempre a cruzar opiniões, misturar habilidades de quem se relaciona com ela e incluir a todos num caldeirão que exale cultura, comunicação e arte.
Márcia é multicultural e multimidiática. Estar sempre cercada de gente a permite perceber como interagir com inúmeras correntes de pensamento, simultaneamente, em espaços diferentes. O uso da linguagem adequada é a arma para desmontar, reverter barreiras culturais perante o novo, diante da incompreensão do diferente, apoiando-se na reação de curiosidade frente ao exotismo do desconhecido.
Insistir sem impor uma perspectiva ou convencer pela sedução integra o menu de quem trabalha com cultura pop. O cinema, por exemplo, atrai o olhar cirúrgico. Apaixonada por cores, ela tornou-se conhecida como designer e expert no tema. Um dos exercícios prediletos é analisar cartazes de cinema. Fundou, com outros profissionais da cultura, uma Associação Cultural. Nos finais de semana, é comum vê-la cantando em uma banda de repertório eclético.
Não sei se foi a cultura que pulsa no cotidiano que a transformou numa pessoa sensível. Ou se a sensibilidade a levou pelos caminhos da transpiração cultural. Sei que Márcia Okida obteve um resultado aparentemente pequeno ao olhar dos imediatistas. Mas provocar a reflexão ou até a desaceleração das pessoas por alguns minutos diante de um pedaço de papel que se transmuta em pássaros é relativa façanha no mundo de hoje.
Como se mede o sucesso desta proposta? Buscar convencer o outro de um gesto, homenagear alguém com quem não se encontrará mais, dedicar-se a uma causa sem a chance de visualizar resultados ou conectar-se a conceitos abstratos, de identificação cultural quase inexplicável, são ações que somente expõem a definição de humano. Sem troca, sem ganho, sem interesse que não a simplicidade e a transparência de um ato, como o origami.
Ela sabe que pedir alguns minutos do dia-a-dia de qualquer sujeito para a criação de um origami (esculturas de papel de origem japonesa) requer paciência, pouca chance de compreensão e talvez a providencial conversa de canto, ao pé do ouvido. É neste momento que se dispõe a explicar o objetivo dos tsurus (pássaros que representam a paz e a prosperidade).
Em várias ocasiões, Márcia deparou-se com a incredulidade de indivíduos acostumados com o pragmatismo contemporâneo. Tudo, para eles, está vinculado à utilidade instantânea, concreta, palpável, mensurável como dados de uma equação matemática. Nesta hora, Márcia Okida coloca as razões pessoais para persuadi-los sobre um trabalho que gerará ressonância final a milhares de quilômetros. Os tsurus simbolizam a forma mais singela que encontrou para homenagear o avô, de origem japonesa, falecido há 35 anos. Primeira filha, sobrinha e neta da família, Okida o enxerga ao lado de si desde a infância, como se ele transmitisse paz e tranqüilidade.
O cartaz é um pedido de solidariedade. Consiste na produção de origamis em formato dos pássaros, que serão enviados ao Japão para o Memorial Sadako Sasaki. O local homenageia a garota que morreu vítima da bomba nuclear detonada em Hiroshima, durante a Segunda Guerra Mundial. A menina simboliza os mortos daquele horror. Sadako foi atingida pela chuva de fuligem em decorrêncja da explosão e desenvolveu leucemia dez anos depois. No hospital, prometeu a si mesma que montaria mil tsurus. Morreu antes de completar o desejo. A confecção dos pássaros em origami passou a representar paz, vida longa e prosperidade.
O sorriso discreto das pequenas vitórias não nega a ascendência japonesa. O assunto se espalhou pela Internet e levou Márcia Okida a jornais e emissoras de TV. Aos colegas de universidade, numa noite dessas, mostrava uma sacola com 200 origamis enviados por uma aluna. E dizia: - Tenho 1200. Fora o que virá do Sul e do Nordeste. Escolas estão envolvidas, gente.
O jeito de lidar com as situações cotidianas também provoca um certo incômodo. Em época de paixão pelo marketing pessoal e pelo jogo de aparências, Márcia se sente culpada pela visibilidade. Angustia-se ao ver que muitos associam a proposta do tsurus à prática da “solidariedade de mídia”, quando a doação acontece mediante o cerco de câmeras e holofotes.
Engana-se o menos avisado que crê numa exposição pessoal excessiva ou em tarefas inacabadas. Márcia propõe-se sempre a cruzar opiniões, misturar habilidades de quem se relaciona com ela e incluir a todos num caldeirão que exale cultura, comunicação e arte.
Márcia é multicultural e multimidiática. Estar sempre cercada de gente a permite perceber como interagir com inúmeras correntes de pensamento, simultaneamente, em espaços diferentes. O uso da linguagem adequada é a arma para desmontar, reverter barreiras culturais perante o novo, diante da incompreensão do diferente, apoiando-se na reação de curiosidade frente ao exotismo do desconhecido.
Insistir sem impor uma perspectiva ou convencer pela sedução integra o menu de quem trabalha com cultura pop. O cinema, por exemplo, atrai o olhar cirúrgico. Apaixonada por cores, ela tornou-se conhecida como designer e expert no tema. Um dos exercícios prediletos é analisar cartazes de cinema. Fundou, com outros profissionais da cultura, uma Associação Cultural. Nos finais de semana, é comum vê-la cantando em uma banda de repertório eclético.
Não sei se foi a cultura que pulsa no cotidiano que a transformou numa pessoa sensível. Ou se a sensibilidade a levou pelos caminhos da transpiração cultural. Sei que Márcia Okida obteve um resultado aparentemente pequeno ao olhar dos imediatistas. Mas provocar a reflexão ou até a desaceleração das pessoas por alguns minutos diante de um pedaço de papel que se transmuta em pássaros é relativa façanha no mundo de hoje.
Como se mede o sucesso desta proposta? Buscar convencer o outro de um gesto, homenagear alguém com quem não se encontrará mais, dedicar-se a uma causa sem a chance de visualizar resultados ou conectar-se a conceitos abstratos, de identificação cultural quase inexplicável, são ações que somente expõem a definição de humano. Sem troca, sem ganho, sem interesse que não a simplicidade e a transparência de um ato, como o origami.
Comentários
Um abraço!
Este é meu depoimento - parabéns pela crônica e "Banzai" à minha amiga, parceira de Associação e professora de Tsurus Márcia Okida.
Muito obrigado pelas palavras!!! O cotidiano necessita - e muito - de pessoas dispostas a vivê-lo com poesia e, acima de tudo, compartilhá-lo com os demais.