Quando o "jumento" vende a alma

A cúpula da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) finalmente perdeu os pudores e assumiu como as cartas são distribuídas na seleção nacional. A decisão do presidente Ricardo Teixeira em convocar pessoalmente Ronaldinho Gaúcho para as Olimpíadas indica o que todos deveriam saber: o gerenciamento do futebol brasileiro consiste na quantidade de cifrões que podem ser arrecadados, e não em critérios sérios e públicos de hierarquia.

Antes da partida contra o Paraguai, o presidente Ricardo Teixeira - personalista no momento que lhe convém - cobrou publicamente a presença de Ronaldinho Gaúcho na seleção olímpica. O atleta, recém-recuperado de contusão e há mais de dois meses sem disputar uma partida oficial, foi dispensado pelo Barcelona. O próprio jogador deixou de ser chamado pelo técnico Dunga em outras ocasiões, conforme o critério de não convocar atletas fora de atividade.

O "passa-moleque" do presidente sobre o técnico aconteceu na última quarta-feira, antes do jogo contra a Argentina, em Belo Horizonte. Ronaldinho viajou de jatinho particular para assistir à partida. Em BH, Teixeira anunciou que ele disputaria os Jogos Olímpicos. Para isso, seria acompanhado de perto por integrantes da comissão técnica, com o objetivo de colocar o meia em forma física nos próximos 50 dias.

Historicamente, há inúmeras lendas sobre jogadores que interferiam na escalação das equipes. Dizem que Nilton Santos e Didi forçaram a entrada de Pelé e Garrincha no time campeão de 1958. Gerson e outros colegas teriam convencido Zagalo de que Rivelino e Tostão poderiam atuar juntos na Copa de 1970. Lendas porque são somente histórias que se repetem, sem comprovação, e mantidas a sete chaves no fundo dos vestiários. Tribal, hierárquico e semelhante ao mundo militar, o futebol apresenta como tradição ocultar em sombras o que pode prejudicar o grupo de jogadores e comissão técnica, cada qual em seu papel.

A interferência de Teixeira na convocação para as Olimpíadas expõe as relações de poder nos bastidores da CBF. O cargo de técnico é visto hoje como um posto sem maiores liberdades, sem autonomia. Para os candidatos à função, uma ponte para mercados mais promissores, em renda, visibilidade e reconhecimento.

De braços dados, imprensa e técnicos torcem pela tragédia alheia. É triste observar jornalistas que desejam a mudança de comando apenas pelo prazer de confirmar a própria opinião. Os técnicos, com currículo modesto ou com passagens apagadas pelo cargo, sonham em levar à seleção brasileira à Copa do Mundo.

Dunga é um profissional experiente no mundo do futebol. Talvez não o seja no comando técnico. No entanto, sabe o que significa a palavra fritura. Percebeu que a derrota para a Venezuela era a desculpa necessária para que ele fosse colocado para escanteio. Quando convidado, o papel dele era apenas punir os atletas pós-fracasso em 2006, iniciando um processo de renovação ainda em curso. Dunga não é burro e muito menos jumento, a palavra da semana nas arquibancadas.

Os amistosos contra Venezuela e Canadá se constituem em armadilha para qualquer treinador. São jogos que pouco acrescentam à preparação de uma equipe para um campeonato. Enquanto os adversários sul-americanos enfrentam times europeus de primeira linha, o Brasil encara sucessivamente partidas sem importância que engordam os cofres da Confederação. É a velha máxima de brigar com bêbado.

Diante do jogo-de-cena, o torcedor comum - necessitado da catarse coletiva - ainda não percebeu que a seleção brasileira não corresponde mais a uma questão de patrotismo. A regência é pela ótica dos negócios. Os jogadores são propriedades de seus clubes. As convocações beiram a estranheza quando atletas com poucas partidas de destaque aparecem na lista de convocados. Desaparecem em seguida, ao mesmo tempo em que trocam de clube, muitas vezes do outro lado do oceano.

O que resta ao técnico Dunga é olhar para trás e aprender com o próprio passado de jogador. Isso significa agir com honradez e com liderança, como fazia quando era capitão da seleção. Em outras palavras, ele se encontra diante de uma encruzilhada: pegar o boné e seguir para o Rio Grande do Sul de cabeça erguida ou assumir a condição de marionete - confirmando a opinião de muitos críticos - com a venda da alma ao diabo.

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