Foragidas de si

Viver dentro de um corpo adolescente é uma missão paradoxal. A adolescência – união de características biológicas e culturais – reúne no mesmo sujeito o início da liberdade individual e a formalização de grilhões sociais, simbolizada por pressões institucionais, muitas delas sem explicação e projetadas para a vida adulta. É a promessa do amanhã para alguém que transpira o agora.

Questionar a ordem vigente é natural, principalmente quando o adolescente se vê diante de uma série de compromissos pouco prazerosos, entediantes, torturantes até. Significa entender – com clareza – a necessidade da responsabilidade perante os outros e às instituições, com graus de culpabilidade e de sanções aflorando no cotidiano.

As estudantes Giovanna e Ana Lívia, de 15 e 16 anos, são típicas adolescentes de classe média alta na cidade de São Paulo. Estudam em um colégio de ponta, com proporcional mensalidade, e sofrem – no Ensino Médio – as pressões do futuro brilhante obrigatório. Podemos ler como um universo no qual estudar consiste em atividade ininterrupta e memorizar – não é tão necessário compreender – conteúdos vira exercício visceral. Ambos se tornarão fundamentais para um prova chamada vestibular. Estar na lista de aprovados de uma universidade pública é o único fim da linha possível. Outra hipótese é sinônimo de fracasso. Nos capítulos e anos seguintes, o sucesso na carreira profissional (conceito definido conforme os humores do mundo corporativo).

Ambas residem em São Paulo, com todas as prerrogativas que a cidade cosmopolita apresenta. O mundo se abre de oportunidades, porém cobra uma série de pagamentos correspondentes. Adolescentes desta faixa econômica tendem a permanecer em bolhas de vidro, concreto e metal, seja no ambiente escolar, no ambiente de consumo ou no relacionamento com pessoas do círculo mais restrito.

Não quero aqui especular sobre os motivos particulares que levaram as duas a fugirem de casa numa aventura pelo sul do país. O que se mostra evidente é que adolescentes como elas – e são centenas – expõem suas indignações com o mundo contemporâneo em que vivem a partir do meio de comunicação em que mais convivem: a Internet. Basta entrar alguns minutos no Orkut, como relatou – por exemplo – o caderno de Informática do jornal Folha de S.Paulo, para perceber dezenas de comunidades de jovens que desejam fugir de casa.

Isso representa não somente se revoltar com as autoridades constituídas – no caso, os pais e a escola - mas também questionar o próprio estilo de vida, repleto de compromissos. Muitos acompanham uma agenda cheia digna de grande executivo.

Ninguém deve absolvê-las, eximi-las de responsabilidade pelos atos ou muito menos julgá-las como imaturas, infantis. Na verdade, pouco sabemos sobre as relações familiares, fundamentais para a compreensão das motivações de Giovanna e Ana Lívia. O que interessa entender é que o mundo contemporâneo dos excessos acelera, queima etapas da vida. Em outras palavras, a adolescência se aproxima da vida adulta, e os impactos de tamanha velocidade são amenizados diante das aparências, da estética, da obsessão pelo sucesso, da ausência de diálogo em vários níveis institucionais.

O mundo dos excessos, que se abraça ao espetáculo, ao sensacionalismo, se traduz, por exemplo, na cobertura midiática. As características citadas implicam perpetuar feridas, como especulações sobre a vida privada e preconceitos sociais.

O caso das duas adolescentes paulistanas evidenciou – novamente – o grau de preconceito do fazer jornalístico. A história ganhou as manchetes dos veículos pelo fato das duas pertencerem à classe média alta e estudarem em um grande colégio da maior cidade brasileira. E se ambas residissem em bairros periféricos e freqüentassem uma escola pública? Ah, mas havia o risco de seqüestro, diriam os apressados. Quais evidências indicam o mínimo rastro concreto desta desculpa esfarrapada?

Comentários

O Projeto disse…
É verdade, professor, e isso tem acontecido no mundo todo. Além disso, a adolescência tem compreendido um período bem maior da vida, indo até os 30 anos em algumas ocasiões.

E, depois desse esfriamento do caso Isabella, a mídia sempre procura alguma coisa mais quente para cobrir.

Uma história parecida é a daquele filme 'Na Natureza Selvagem', em que o rapaz, de família de classe média, após se formar decide abandonar a família e viajar pelos EUA.
márcio, obrigado pelo comentário!!! Excelente lembrete a respeito da história ocorrida nos Estados Unidos. Sugiro que você leia o livro do Jon Krakauer, que inspirou o filme de mesmo nome. Grande abraço!!