40 anos sem King. O que mudou?

Às 18h01 de 4 de abril de 1968, o presidente da Conferência da Liderança Cristã Sulina e pastor batista Martin Luther King foi assassinado a tiros no Lorraine Motel, em Memphis, cidade do estado sulista do Tennessee (EUA). A morte dele foi um dos fatos históricos mais importantes da luta pelos direitos civis, processo no qual diversos movimentos sociais – das chamadas minorias – conseguiram maior poder de voz nas relações cidadãs daquele país.

Depois de 40 anos, uma das perguntas óbvias é: qual é o legado de Martin Luther King? O que mudou na sociedade norte-americana neste período?

Em primeiro lugar, é preciso estabelecer que King foi um líder religioso de importância política naquele momento de choque, mas jamais deve ser transformado em mártir ou herói. È claro que a morte trágica valoriza a biografia, porém ele se constitui em mais um dos atores de um processo histórico lento e profundo, iniciado na década anterior e balizado pela revolta de uma mulher chamada Rosa Parks, que se recusou a se sentar nos fundos de um ônibus, lugar destinado a negros.

A sociedade norte-americana atual talvez o assustasse. Houve alterações significativas para melhor e para pior. O discurso de pós-racialismo presente na campanha do pré-candidato democrata Barack Obama é conversa de campanha, retórica endereçada de maneira cirúrgica a um público-alvo bem cristalino.

A possibilidade de um negro na presidência dos Estados Unidos simboliza – é claro - o avanço da etnia na sociedade norte-americana. O senador Obama é o líder oriundo de uma classe média que cresceu nos últimos 40 anos e passou a ocupar postos de poder, na política, nas universidades, no mundo corporativo.

Entretanto, é necessário colocar os pingos nos is: esta classe média observa as relações sociais – ou pelo menos tenta fazer crer – pela perspectiva econômica, visando evitar as referências étnicas. Isso realimenta o discurso do pós-racial, que se sustenta na falsa idéia de que o país caminha para uma igualdade étnica e de que o tema perde relevância na agenda pública. Esta classe média ainda é resultado da teia racial historicamente construída. Se transformarmos em estatísticas, por exemplo, somente três em cada dez negros desta faixa econômica ganham mais do que os pais. Não é o caso de afirmar que a cor da pele consiste no único fator, mas se trata de um elemento a ser colocado na mesa de debates, principalmente em ano eleitoral.

Atualmente, os Estados Unidos têm dois governadores negros, nos estados de Nova Iorque e Massachusetts. Os prefeitos de grandes cidades como Atlanta, Filadélfia, Newark e a capital Washington também são negros.

Por outro lado, estas quatro décadas serviram para solidificar um grupo de norte-americanos marginalizados, espremidos em guetos de cidades médias e grandes do país. O furacão Katrina, na região de New Orleans, expôs a miserabilidade e os problemas estruturais.

Em metrópoles, os bairros negros lideram as estatísticas de criminalidade e de desemprego. Nestes lugares, por exemplo, metade dos homens negros não termina o segundo grau, segundo reportagem da revista Observer. Seis em cada dez estarão na cadeia até os 35 anos de idade. Hoje, mais negros são presos do que há 10 anos. Os Estados Unidos possuem a maior população carcerária do mundo.

O mapa do debate étnico na nação mais poderosa do mundo ganhou uma novidade, que embaralhou a leitura sobre o tema. Dos anos 60 para cá, a população hispânica se transformou no maior grupo das chamadas minorias. São 44 milhões de pessoas, também alvos de questões raciais, desta vez pela origem geográfica, e não pela cor da pele. O “terceiro elemento” colocou em choque a postura de brancos e negros, ambos racistas neste caso. Os hispânicos, atualmente, percorrem a mesma trajetória dos negros, obtendo espaços na mídia e postos de poder em muitas regiões do país e cimentando a presença de estereótipos.

Embora multiétnico, os Estados Unidos ainda estão longe de ser um país de igualdade, como prega demagogicamente – por exemplo – o senador Barack Obama. As relações sociais ainda se sustentam em rótulos, que definem – em muitos casos – posicionamentos sociais. Este cenário serve apenas como uma justificativa para entendermos as diferenças culturais entre os norte-americanos e, nós, brasileiros. O racismo está impregnado nas duas sociedades, mas por razões e manifestações distintas. A fragilidade do senso comum sustenta que a discriminação seria mais violenta na América do Norte, imagem alimentada inclusive pela segregação que gerou o movimento pelos direitos civis. Bobagem que faria King remexer na sepultura, assim como a realidade atual. Violência racial é impossível de ser mensurada. È violência!

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