A sauna de aula

Políticos normalmente são associados às promessas. Os discursos de idealização se multiplicam em anos eleitorais. Se as promessas se tornarão realizações, a distância muitas vezes equivale ao tamanho do mandato. De vez em quando, o político sofre pressão, e o cumprimento do que foi dito o conduz à adoção de medidas provisórias, que se tornam definitivas na proporção do esquecimento da idéia original.
Em 1998, o Governo do Estado – diante do crescimento de demanda de vagas nas escolas – implantou as salas padrão Nakamura. São as famosas escolas de lata. O nome deriva do fabricante das estruturas em aço liso que foram adaptadas para encaixotar crianças. A rede estadual chegou a ter 1339 unidades de lata, nas quais alunos e professores enfrentavam problemas de acústica, elevação de temperatura no verão e aumento da sensação de frio no inverno.
Ainda existem 36 escolas de lata, quase todas em localidades periféricas. A promessa do Governo do Estado é extingui-las até o final do ano. Mesmo que isso ocorra, significa que a Secretaria Estadual de Educação levou uma década para abandonar uma proposta que alardeava temporária.
As escolas de lata não são “privilégio” da rede estadual. Em Santos, a unidade em Monte Cabrão, na Área Continental, abriga duas salas. O Monte Cabrão é um dos bairros mais pobres do município. As salas foram pintadas, têm ar-condicionado e um belo jardim na frente, maquiagem que não esconderia as dificuldades de aprendizagem dos alunos, segundo educadores da própria Prefeitura.
O caso em questão retrata como os governantes vêem a educação no Brasil. Em primeiro lugar, o Poder Público não está sozinho na reprodução do discurso de que educar é a solução para o desenvolvimento do país. Em muitos setores, a retórica envolve comparações com Coréia do Sul, Espanha e Irlanda, como se os três países tivessem se desenvolvido porque entulharam crianças em salas de aulas, muitas delas sem as mínimas condições ambientais.
A educação se transformou em um grande baú, capaz de armazenar e resolver todas as dificuldades pendentes de uma sociedade como a brasileira, desigual ao extremo e sem infra-estrutura nas mais variadas áreas. Isso nos leva a falácia dos gestores de que política educacional representa acesso às escolas. Neste sentido, vale mais um prédio bonito ou espremer crianças em salas de lata do que pensar em propostas pedagógicas de longo prazo, apartidárias ou desprovidas de cunho eleitoreiro, visando formar pessoas e atender a demandas sociais. Somado a isso, levar em consideração que a escola não é o único e sagrado espaço para o desenvolvimento do ser humano.
O terceiro problema é a diferenciação social na política pública educacional. Por que será que as escolas de latas se multiplicaram em bairros de periferia ou em cidades afastadas do interior do Estado? Numa perspectiva mais ampla, o Brasil resolveu adotar a qualquer preço, a partir dos anos 90, a política de inclusão de todas as crianças no processo escolar. A meta foi alcançada, porém parou-se no primeiro passo e pagou-se pela falta de planejamento. As deficiências de infra-estrutura foram expostas, e as escolas de lata surgiram como remédios paliativos.
Isso indicou que os governos não estavam adequadamente preparados para refletir sobre qualidade de ensino. A quantidade bastou para atender aos organismos internacionais responsáveis pelo envio de recursos para a implementação de projetos. Qualquer estudante de Magistério tem pleno conhecimento de que o ambiente interfere na qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Será que uma criança presa por horas numa “sauna de aula” poderá aprender com qualidade?
Enquanto a educação pública for vista com olhos imediatistas e quantitativos, as avaliações nacionais e internacionais continuarão expondo as fraturas de um país repleto de analfabetos lingüísticos e matemáticos, muitos deles vítimas de políticas sem planejamento e competência. O pior é que medidas como as escolas de lata cheiram a decisões com plena consciência do estrago a ser provocado. Com o verniz de temporárias, causam danos permanentes. Como se repara este crime?

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