O sucesso anti-natalino

No final do ano, muitas pessoas permanecem como criaturas de hábitos. Ou melhor: apenas trocam a rotina do resto do ano pelo protocolo de balancete. São almoços e jantares de confraternização, nos quais as rivalidades se escondem temporariamente em um ritual que inclui os amigos secretos. E-mails são disparados para desejar “um excelente Natal e um próspero Ano Novo”. Milhões de espectadores vão assistir àquele show do perseguidor de biógrafos que se repete anualmente na televisão. Por que a emissora não reprisa o do ano anterior e economiza recursos? Enfim, é uma nova lista de tarefas para que as festas ocorram sem maiores imprevistos e que ninguém se sinta melindrado.
Aparentemente, são ações naturais e previsíveis. Trata-se do momento de diminuir problemas (resolvendo-os ou adiando-os), refletir sobre o que foi feito e pensar em perspectiva. Neste último item, vale lembrar que ninguém deve se levar muito a sério, pois as promessas de Reveillon raramente são cumpridas, ou porque a meta é utópica ou porque o autor da promessa não se lembrará dela.
Por outro lado, esta época do ano se caracteriza pelos excessos, sendo que muitos deles são justificados como se fizessem parte do espírito natalino. São shoppings entupidos, consumidores se acotovelando e esbravejando pelo último exemplar do bonequinho que planta bananeira e fala três idiomas. Meu filho mimado precisa dele!!!
E a comilança?? É claro que a mesa natalina é uma exceção à regra. Muitos dos pratos são degustados (ou devorados) apenas uma vez por ano. Mas transformar em algo inerente ao evento? Isso me faz lembrar a campanha publicitária do Epocler, que mostra uma família de origem européia em volta de uma mesa farta. Todos os atores comem como se tivessem passado o ano em um campo de refugiados na África. E balançam com orgulho o tubinho que garantirá a renovação de forças para nova sessão de gula.
Esta semana, por exemplo, vi dois programas na GNT que – assim como muitos nos canais fechados e abertos – discutiam temas relativos ao final de ano. Saia Justa e Happy Hour debatiam a questão do sucesso. Prefiro o primeiro, composto por quatro mulheres, sempre com mais perspicácia e sensibilidade que a ala masculina. Já Happy Hour atraiu minha atenção por causa da presença do violonista gaúcho Yamandú Costa, um dos maiores instrumentistas brasileiros contemporâneos.
O que os dois programas tinham em comum era o depoimento de pessoas entrevistadas nas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro. Quase 100% das pessoas ouvidas conectavam sucesso à obtenção de bens materiais (casa, carro, celular etc.). Estudantes universitários foram entrevistados e, quase todos, apenas entendiam sucesso como carreira profissional bem-sucedida.
Se pensarmos com um pouco mais de calma e associarmos ao que vemos nas ruas durante os dias que antecedem o Natal, é fácil perceber o óbvio: a lógica econômico-financeira se sobrepõe à importância histórico-religiosa do dia 25 de dezembro.
No caso dos dois programas de TV, as mulheres do Saia Justa rapidamente notaram a ausência de outros valores e de espiritualização do tema. Criticaram a pouca preocupação com saúde, família, solidariedade e valores afins. No Happy Hour, onde participavam consultores de carreira e gurus de auto-ajuda, valeu a lógica de momento: sucesso é o que você pode fazer. Basta sonhar, querer e poder. Parecia aquela ladainha que a Xuxa repete a cada lançamento de mamão com açúcar que domestica crianças nos cinemas no final de ano. Ou a turma que cultua o Segredo. Vale o individualismo e o olhar corporativo em todas as esferas da vida.
A definição de sucesso pouco importa. No entanto, em época de Natal, os adeptos do consumismo e do carreirismo deveriam pendurar seus gurus e carteiras no armário e observar um pouco mais o mundo a sua volta. Se não for possível, enxergar quem está do lado já é um bom passo. E isso não representa dica de auto-ajuda.

Comentários

Marcão, se liga. Saia Justa é programa de mulher, pô. Pra gente, essas coisas são do mal, hahahaha.
Eduardo, as mulheres entendem melhor o mundo do que nós. Precisamos saber o que elas pensam. Abraço.