O pistoleiro solitário e os abutres de gravata

Dois fatos colocaram o tênis brasileiro, esta semana, novamente na agenda da mídia esportiva, tão carregada de conteúdo ufanista em tempos de embriaguez pela Copa do Mundo por aqui e de ressaca pelo mau momento da seleção brasileira de futebol. O primeiro acontecimento diz respeito à realização de uma etapa do Circuito Mundial de Veteranos, em São Paulo. Só participam jogadores que lideraram o ranking mundial, venceram, chegaram à final ou às semifinais de Grand Slam (Aberto da Austrália, US Open, Wimbledon e Roland Garros) ou disputaram finais de Copa Davis (campeonato anual entre países).
O paulistano pôde ver ex-atletas como os suecos Bjorn Borg e Mats Wilander, o argentino Guilhermo Villas e o espanhol Sergi Burguera (que perdeu uma final de Roland Garros para Gustavo Kuerten). O tenista brasileiro Fernando Meligeni participou pela segunda vez como convidado. Já havia jogado a etapa de Portugal. Meligeni, aliás, derrotou em São Paulo o sueco Mats Wilander, vencedor de sete Grand Slams e ex-número um.
Enquanto o clima é de festa entre os veteranos, o quadro é de desolação entre os profissionais. Gustavo Kuerten, que promete uma nova tentativa de recuperação em 2008, disse que a situação da modalidade hoje no Brasil é semelhante ao momento quando começava a carreira, em meados da década passada.
O Brasil vai terminar, pelo segundo ano consecutivo, a temporada sem um tenista entre os cem melhores do mundo. A Argentina, por exemplo, tem 11 jogadores nesta condição. Na Copa Davis, o Brasil está na segunda divisão. Em 2005, depois de um boicote dos atletas por causa de denúncias de corrupção na Confederação Brasileira de Tênis (CBT), o país chegou a cair para a terceira. Na década passada, disputou as semifinais da elite. Em outras palavras, chegou a ser uma das quatro melhores equipes do planeta.
Fernando Meligeni também aumentou a altura do fogo da fervura. O tenista, que ficou dez anos entre os cem melhores do ranking, chegou às semifinais de Roland Garros e foi 25º do mundo. Do alto de quem também foi medalha de ouro em Pan-Americano e quarto colocado em Jogos Olímpicos, Meligeni foi taxativo: a geração atual não tem apoio, mas também é preguiçosa.
No primeiro caso, significa que o esporte brasileiro novamente perdeu o bonde por causa da má gestão de dirigentes. As promessas de projetos sociais, quadras públicas, programas para popularizar a modalidade ficaram nas gargantas de um grupo de cartolas que saiu pela porta dos fundos para não ser investigado. Os patrocinadores, diante do amadorismo dos comandantes e da ausência de novos talentos, abandonaram – em sua maioria – as quadras. O mesmo vale para os canais esportivos, que – evidentemente – preferem transmitir os jogos dos grandes ídolos do circuito.
Tanto os mais velhos como os novatos pouco saem da América do Sul para jogar torneios. Preferem ficar atuando em competições menores no continente, o que os obriga a disputar mais partidas para manter um ranking, no máximo, mediano. Ou seja: os atletas brasileiros se limitam a disputar futures (categoria de torneios com premiação máxima de US$ 10 mil, voltados para revelações) e challengers (de US$ 25 mil a US$ 125 mil). O problema é que estes torneios estão concentrados no final do ano por aqui, o que dificulta a ascensão no ranking mundial.
Em termos práticos, o melhor tenista da atualidade é Marcos Daniel, de 30 anos, 123º da lista. Ele já foi 80º e deve somente atuar por mais dois ou três anos. Flavio Saretta, de 27 anos, ex-44º e hoje número 185, se recupera de uma fratura no braço e só volta ao circuito em fevereiro. O mineiro Ricardo Mello, o único da ativa a vencer um ATP (categoria dos torneios de primeiro nível), ocupa a posição de número 251, distante do 50º lugar alcançado há dois anos.
O melhor jogador do ano passado, o paulista Thiago Alves, de 25 anos, se encontra em situação crítica. Em 2006, terminou a temporada em 106º. Dois meses antes, atingiu o ápice: 95º lugar. Agora, é o número 371 e não apareceu – sequer preparou justificativa – para jogar um torneio future em Campinas na semana passada.
A única boa notícia são as duplas. André Sá e Marcelo Melo vão terminar o ano entre as 20 melhores duplas do planeta. Chegaram às semifinais de Wimbledon, às quartas no US Open e ganharam dois torneios. A mancha fica por conta do doping involuntário de Marcelo Melo, que gerou uma suspensão de dois meses. O atleta tomou o analgésico Neosaldina, que apresenta substância proibida, sem avisar as autoridades médicas. A dupla perdeu os pontos obtidos pelo desempenho nos Estados Unidos.
Mesmo diante de uma partida quase perdida, algumas revelações – por méritos próprios, de técnicos e de parentes – podem tirar uma bola salvadora do bolso. Thomas Belucci, por exemplo, subiu da 527º posição para 199º lugar em 2007. Melhor fez Daniel Silva, que começou a temporada em 1201º e hoje é 420º. Ambos têm apenas 19 anos.
Com Guga em final de carreira e com poucas chances de reeditar os momentos de glória, resta depositar esperanças naqueles que seguem a mesma sina do pistoleiro solitário: vagar de cidade em cidade, sem suporte, mas com adversários sempre a postos. Parte destes novos nomes poderão ser vistos em Santos até 2 de dezembro, nas quadras de saibro (terra batida) do Tênis Clube. É lá que acontece, a partir do dia 24, o último future do ano. Para quem crê em repetição de milagres ...

Comentários

Marcão, esperar alguma coisa do tênis no Brasil é perda de tempo. Na Inglaterra, o pessoal joga tênis na escola como aqui se joga futsal. Nesse fim de linha de país (o nosso) não tem nem escola, quanto mais tênis... O Guga foi um fenômeno, assim como a Maria Esther Bueno, há 40 anos. Se futebol, que é futebol, é o que todo mundo já sabe, imagina o resto.
eduardo, todos conhecemos a falta de infra-estrutura. Concordo com você. O que irrita é perdermos sistematicamente o bonde da história por causa de amadorismo de gestão, o que inclui desvio de dinheiro.