O salário da demagogia

A administração pública, que coloca na vitrine governantes e burocratas, padece – infelizmente – da previsibilidade. O que talvez torne o eleitor incapaz de enxergar tal comportamento é o fio de esperança de que sempre os políticos profissionais podem nos surpreender e pensar na coletividade. A ação previsível pôde ser testemunhada na última segunda-feira, dia 15 de outubro. O governo estadual deixou, obviamente, a data reservada para anunciar – de forma oficial – medidas em “benefício” dos professores.
O governador José Serra e a secretária estadual de Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, fizeram questão de, pessoalmente, informar que os professores receberiam bônus de R$ 1200, a serem pagos em até quatro parcelas. Além disso, a rede de ensino abriria mais vagas para supervisores e secretários, e a pasta da Educação permitiria que as licenças-prêmio de 30 dias fossem convertidas em dinheiro. Medidas necessárias? Sim, mas e a questão salarial?
Os professores da rede estadual não têm aumento há três anos. A secretaria alega que a categoria recebe quatro gratificações. Somadas, atingem a fortuna de R$ 329 no salário bruto. Todos sabemos que gratificações são paliativos. O que gera conseqüências de longo prazo, inclusive previdenciárias, são os salários.
No mesmo dia da festa política, a Folha de S.Paulo rasgou em manchete que um professor em início de carreira no Acre ganha 39% a mais do que o mesmo profissional em São Paulo. A reportagem tomava como base levantamento da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE). São Paulo é o oitavo estado em termos salariais. O Acre lidera o ranking. A seguir, Roraima, Tocantins e Alagoas, todos com custo de vida inferior ao estado mais rico do país.
O assunto desviou o impacto das medidas anunciadas pelo governador, que se colocou em estado de defesa. Aí entram as alegações clássicas:
1) a rede estadual paga gratificações que engordam a renda. O pacote de benefícios serve como valorização do professor;
2) é inviável comparar estados, que possuem estruturas educacionais diferentes;
3) a receita tributária por habitante é de R$ 2773 no Acre contra R$ 1600 em São Paulo.
A secretária estadual alegou, por sua vez, que salários não significam qualidade de ensino. Citou casos como o de Minas Gerais, governado também pelo PSDB, um dos três melhores desempenhos da quarta série no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Lá, os professores ganham menos do que em São Paulo. Por outro lado, o Acre – de acordo com a Folha de S.Paulo, subiu 13,8 pontos entre 2003 e 2005 no mesmo Saeb. São Paulo avançou meros 1,1 pontos no mesmo período.
O que a secretária quis dizer com isso? É possível fazer educação de qualidade com R$ 8,05 por hora-aula? É possível o professor ter acesso a bens culturais como cinema, peças de teatro e livros com salário de R$ 966 se trabalhar 30 horas por semana? Isso sem levar em conta as tarefas realizadas fora do ambiente escolar, como preparar aulas e corrigir trabalhos e provas. Um detalhe importante: o salário no Acre sem gratificações (R$ 1580) continua superior ao de São Paulo (R$ 1295), com os benefícios incluídos.
Neste sentido, ao menos, o governo estadual mantém a política anterior. A remuneração de um professor, em São Paulo, é ruim desde o governo Mário Covas. Quem não se lembra dos sucessivos protestos da categoria, às vezes até excessivos e violentos?
O governo estadual implementou, discretamente, mudanças no rumo da política pública de educação, que sinalizam um distanciamento do modelo Alckmin-Chalita. O retorno dos boletins, o rearranjo de ciclos seriais e a redução de programas nas escolas nos finais de semana indicam alterações estruturais de longo prazo.
Por um lado, é impossível prever os efeitos destas práticas. Por outro, repete-se o jeito brasileiro de encarar a educação: mudam os governantes, mudam os rumos da política. Pouco importa se pertencem ao mesmo partido. E, assim, o país permanece cego para as experiências de sucesso no exterior, onde pelo menos 20 anos de continuidade foram necessários para que se pudesse medir resultados estruturais na sociedade.
Em entrevista para a reportagem da Folha Online, a secretária Maria Helena Guimarães de Castro dá a impressão de fazer mea-culpa. "Os salários dos professores nunca são os que nós desejaríamos. Eu também sou professora, acho que todos nós achamos que educação é algo muito importante, que professores precisam ganhar muito bem, mas o Estado de São Paulo está fazendo esforço muito grande de política de valorização dos professores."
Ainda bem que os administradores públicos conseguem enxergar uma fresta de luz pelas vendas escuras da política. Mas a retórica burocrata se mantém previsível. E os 35 alunos, em média, por sala de aula também.

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