Infância, procura-se!!!

Ao visitar uma escola particular, em Santos, na semana retrasada, uma criança atraiu minha atenção. A menina, com três, quatro anos, era graciosa e esperta como qualquer outra, e estava vestida de bailarina para uma apresentação. Um elemento destoava do figurino, um batom vermelho fortíssimo, provavelmente mais adequado a ela daqui a alguns anos.
No início de novembro, uma reportagem de televisão indicava o crescimento acelerado de um novo segmento de clínicas de estética nas grandes cidades brasileiras, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo. São espaços onde o público-alvo são crianças. Profissionais de beleza aplicavam nas clientes todos os tipos de badulaques e cosméticos típicos de uma sociedade cada vez mais obcecada pela aparência. Como no universo adulto, as garotas eram maioria, mas tinham que dividir lugar com os garotos.
Em paralelo, uma pesquisa voltada ao público infantil apontava, entre outros dados, que sete em cada dez meninas possuem esmalte para unhas. O item é mais presente no cotidiano delas do que muitos outros brinquedos tradicionais, rivalizando até com a secular boneca.
O conceito de infância, mesmo baseado em preceitos biológicos, é decorrente de olhares sociais e culturais e muito recente na história humana. Porém, nunca passou por alterações tão rápidas como nos últimos 20 anos, fruto da presença maciça de meios de comunicação, tecnologia e consumismo no cotidiano infantil.
Até a Segunda Guerra Mundial, a criança era vista, em linhas bastante genéricas, como um adulto pequeno. Tratava-se de uma versão em miniatura nas roupas, nos alimentos e sem os direitos básicos – hoje difundidos em todas as camadas sociais – como estudo, brincadeiras e a ausência de trabalho.
A partir dos anos 50, quando começa a se desenhar a sociedade de consumo, a criança vai ocupar um lugar secundário no alvo da indústria de massa. Há produtos específicos para elas, mas ainda atrelados às concepções tradicionais de família. Em outras palavras, a velha “família Doriana”: pai trabalhador, mãe dona-de-casa, casal de filhos.
A criança deixa o papel de coadjuvante e se transforma em público segmentado, bombardeada por técnicas de persuasão específicas em meados dos anos 70 nos Estados Unidos. Na década seguinte, no Brasil. Neste sentido, a consolidação de faixas de horário na TV para a programação infantil funciona como um divisor de águas para conquistar as mentes infantis. Vocês se lembram de uma loira, ex-modelo, cercada de outras loiras e personagens como Dengue e Praga, que oferecia todo o tipo de tranqueiras durante o programa e também nos intervalos comerciais? Ela é apenas o maior expoente de uma faixa de mercado que sabe que a televisão é o maior mecanismo de sedução para pessoas que ainda não possuem defesas psicológicas sólidas contra ela.
Atualmente, os produtos de massa – não as mercadorias particularizadas – reduziram a distância entre a infância e a vida adulta. Os dois públicos partilham o consumo de filmes, músicas, ícones pop e tecnologia. Bandas de rock, grupos de axé ou artistas do funk perceberam há anos que a peregrinação midiática abrange – necessariamente – os programas infantis. De certa forma, é uma ação supérflua, pois as crianças brasileiras – que passam em média cinco horas por dia na frente da TV – assistem mais novelas, filmes e até telejornais do que desenhos animados nos canais abertos. Filmes como Shrek e Homem-Aranha são produzidos para que alcancem o chamado público-família, no qual leituras diferenciadas podem ser feitas conforme a idade do espectador.
Em face destes fatores, muitos intelectuais e profissionais especializados discutem a sexualização precoce do público infantil. Isso se materializaria em comportamentos como o uso de termos, reações diante do sexo oposto, escolha de roupas e acessórios e, acima de tudo, a adoção de valores estéticos antes exclusivos do cenário adulto.
Os Estados Unidos, como Meca do consumismo e do capitalismo, fazem jus ao papel. As crianças respondem hoje por aproximadamente US$ 800 milhões em gastos para si. Montante equivalente é destinado para despesas indiretas, isto é, mercadorias que seduzam outros membros da família. Operadoras de turismo levam seus clientes para resorts exclusivos na Jamaica, onde podem relaxar na piscina com coquetéis sem álcool e fazer limpezas de pele e massagem no centro estético. Crianças são o foco de campanhas publicitárias de automóveis, imóveis, celulares e outros sonhos de consumo antes próprios dos adultos. No Brasil, o mesmo ocorre na publicidade. Os gastos infantis giram em torno de 10% do Produto Interno Bruto (PIB).
Se a sociedade contemporânea optou por queimar etapas, qual modelo de adulto teremos? Até que ponto a adolescência é afetada? Talvez as mães e pais que tentam se transformar em “amigões” dos filhos, dividindo roupas, namorados e baladas sejam um sinal. Ou a correria desenfreada para academias de ginástica e clínicas de cirurgia plástica também sirva para indicar uma obsessão pela eterna juventude. O Brasil é o segundo país do mundo em operações plásticas, 90% delas estéticas, e não reparadoras. Os adolescentes, com o corpo ainda em formação, são um quarto deste contingente.
Diante disso, qual seria a alternativa? Difícil dizer, evidentemente. Talvez a saída seja esperar que todos cresçam, independente da faixa etária. É pena que as crianças paguem o preço de se verem distorcidas no espelho durante a infância, etapa crucial da vida.

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